quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Conseil d'État: estado da análise 200 anos depois


O Conselho de Estado é a mais alta instância administrativa em França. É tribunal de última instância mas também tem funções consultivas do Governo. De facto pode ser chamado a pronunciar-se sobre projecto de lei antes da sua aprovação em Conselho de Ministros (art.39º Constituição).

O decreto n° 2008-225 de 6 de Março 2008 relativo à organização e funcionamento do Conselho de Estado reforma as condições de exercício das funções consultivas do Conselho e consagra juridicamente a separação entre as suas funções consultivas e jurisdicionais.

Esta alteração é mais um passo no sentido da evolução da justiça administrativa em França. Tal como vimos nas aulas e no livro do professor, outro passo importante nesta evolução “traumática” foi a consagração do artigo 20 na lei de 23 de Maio de 1872, que instaurava o Conselho de Estado Republicano e consagrava em concreto a transição da "justice retenue", para uma "justice déléguée". No entanto, desde o principio da Segunda Guerra Mundial que tal regra se  demonstrou difícil de cumprir. Deste modo foi suspenso por um decreto de 4 de Outubro 1939, antes de ser revogada pela lei de 18 de Dezembro 1940. Porém, desde o fim da guerra, voltou a ser respeitada na prática.

Esta promiscuidade no sistema francês foi e continua a ser motivo de orgulho para grande parte da doutrina. Bernard Pacteau afirma no seu manual que esta ambiguidade é também uma “riqueza para o Contencioso, graças à experiencia que fornece ao juiz e ao reforço de poder, e por isso de autoridade, para o Conselho de Estado, tendo um peso decisivo na qualidade da nossa vida pública”.

A reforma introduzida por este decreto visa essencialmente enaltecer a actividade consultiva do Conselho de Estado. Por um lado visa melhorar a qualidade da regulação num contexto de inflação normativa. Por outro visa preservar o equilíbrio entre as suas diferentes tarefas face ao aumento da actividade derivada do Contencioso.

Face às novas exigências, a reforma dos procedimentos consultivos tem como objectivo adaptar-se à diversidade de casos que são submetidos ao Conselho de Estado, assegurar a afectação dos recursos humano e favorecer a colegialidade e qualidade das deliberações.

No novo art.61º da Constituição, decorrente da revisão constitucional de 21 de Julho de 2008, as partes podem contestar durante o decurso de uma acção em tribunal administrativo, a aplicação de uma norma que considerem atingir os direitos e liberdades garantidos constitucionalmente. Neste sentido, compete ao Conselho de Estado julgar quanto à necessidade de transmitir ao Conselho Constitucional a questão da inconstitucionalidade suscitada. Deve, para tal, assegura-se que a disposição em causa se aplica ao litígio.

Estas reformas de 2008 são apenas um primeiro passo num conjunto mais amplo de renovação, de antecipação e adaptação. Será por isso uma mudança de fundo da justiça administrativa francesa incluindo o estatuto dos membro do Conselho de Estado e dos magistrados dos tribunais administrativos e dos tribunais de recursos.


Rafael Sousa Uva
140108001

Da condenação à prática de acto devido

Um dos principais fortes sinais de alteração no quadro da lógica do Contencioso Administrativo, trata-se da acção de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, enquanto modalidade de acção administrativa especial (ART.46º do CPA) que se encontra regulado nos arts.66º e seguintes. Sendo possível falar numa superação dos "traumas de infância", deixando para trás a sua grosseira limitação na sua tarefa de julgar, passando assim de uma mera anulação para uma plena jurisdição.
Tal foi possível com a revisão constitucional que ocorreu em 1997, com influência da nova linha orientadora que advinha do novo modelo contencioso de cariz subjectivista, com base na ideia de tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Ou seja, foi finalmente estabelecido de forma expressa a possibilidade de escolha da prática de actos administrativos legalmente devidos como sendo fundamental no âmbito do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares em relação à Administração. Deste modo, houve uma evolução no sentido de criação de um novo meio processual de base condenatória, consistindo numa acção de condenação à prática do acto devido como uma modalidade de acção administrativa especial, onde o critério determinante não será o acto administrativo praticado ou omisso da Administração, mas sim, a posição substantiva do particular no paradigma da relação jurídica administrativa.

Na sequência deste processo, estabeleceram-se duas modalidades que correspondem aos dois pedidos centrais que podem ser suscitados mediante este mecanismo processual:
  • Condenação na emissão de acto administrativo omitido;
  • Condenação na produção de acto administrativo favorável ao particular.
Quanto aos pressupostos processuais da condenação à prática do acto devido, encontram-se tratados no art.67º do CPA, sendo possível destacar três situações legalmente previstas:
  • Al.a)- Apresentação de requerimento, não tendo posteriormente sido proferida decisão dentro do devido prazo;
  • Al.b)-Recusa da prática do acto em causa;
  • Al.c)- Recusa liminar da Administração a proncunciar-se.
Não obstante, para que essa omissão seja juridícamente relevante, constitui requisito a existência de um dever de actuação por parte de um órgão da administração provocado por um pedido do particular, e que não tenha existido decisão dentro decisão dentro do prazo legalmente estabelecido. Sendo permitido agora que os particulares solicitem directamente a condenação da Administração na prática do acto devido.
O Prof.Dr.Vasco Pereira da Silva, vem denominar tal possibilidade como "acto fingido", afastando a anterior prática que levava aos tribunais a anular os tais actos administrativos fingidos. Assim, a consequência da admissibilidade de acções condenatórias da Administração, prendeu-se com o Art.109º/1 CPA que é tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a possibilidade de presumir indeferida a sua pretensão.



SILVA, Vasco Pereira da; O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise; Coimbra, Almedina, 2009
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de; Direito Admnistrativo Geral; Tomo III; Dom Quixote, 2008
ANDRADE, José Carlos Vieira de ; A Justiça Administrativa; 11ª Edição, Almedina


Joana Vistas- 140110501


Processos Urgentes – Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.10.2008, P. 0878/08

 

                A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um dos quatro tipos de processos urgentes consagrados no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Esta modalidade processual vem dar resposta a situações em que uma certa celeridade é necessária na obtenção da decisão de mérito. Trata-se, como se depreende do anteriormente dito, de um tipo de processo principal; daí a emissão de uma decisão de mérito. As situações abrangidas por este tipo processual aproximam-se e, muitas vezes, confundem-se com aquelas em que o meio adequado à prossecução do fim desejado é a instauração de uma acção principal, dita “normal”, associada a uma providência cautelar. A diferença está no facto de estas intimações apenas poderem ser utilizadas, precisamente, se no caso concreto não for possível ou suficiente para alcançar o objectivo pretendido o decretamento de uma providência cautelar. É este, aliás, um dos pressupostos exigidos pelo art. 109º, nº1 do CPTA. Quanto aos demais, que já foram enunciados de forma mais ou menos explícita, consistem na celeridade da decisão, decisão essa que deve impor à Administração uma conduta positiva ou negativa, e que seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia.

                Quanto à urgência, ela é relativa, tendo de ser apreciada levando em conta o caso concreto. Mas é também concreta, ao contrário do que acontece relativamente aos outros processos urgentes previsto no Código, em que a lei presume abstractamente a urgência, dentro dos respectivos limites. Em relação ao que se pode incluir (ou não) na categoria de direitos, liberdades e garantias, entende o Prof. Vasco Pereira da Silva que se deve abrangê-la a todos os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa.

                Têm legitimidade para este tipo de acções os titulares dos direitos, liberdades ou garantias em causa. Quanto ao conteúdo do pedido, consiste, como já foi referido, na condenação da Administração na adopção de uma conduta positiva ou negativa. Nos artigos 110º e 111º do CPTA, o legislador estabelece três tipos de tramitação processual para este tipo de intimações, organizando-os por complexidade e urgência. Optou-se pela seguinte divisão: processos simples e de urgência normal (art. 110º, nºs 1 e 2); processos complexos e de urgência normal (art. 110º, nº 3), e situações de especial urgência (art. 111º). Relativamente à execução das sentenças, aplicam-se as regras gerais de execução de sentenças condenatórias.

                No Acórdão do STA, de 30-10-2008, o autor, presidente da direcção de um clube de futebol, que recorre de uma decisão do TAF (Tribunais Administrativos e Fiscais) de Lisboa, propõe uma intimação deste tipo. Está em causa a transposição de transcrições de escutas telefónicas efectuadas no âmbito de processos-crime, em que o autor foi arguido, para um processo disciplinar, instaurado contra si, e todos com fundamento nos mesmos actos de corrupção desportiva. Os processos-crime precederam cronologicamente o processo disciplinar, mas os primeiros foram arquivados, enquanto que no segundo houve decisão punitiva, emitida LPFP (Liga Portuguesa de Futebol Profissional), da qual o autor desta acção recorreu para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. O que o autor vem pedir é que sejam desentranhadas imediatamente do processo disciplinar as referidas transcrições, invocando a violação dos seus direitos à palavra e à reserva da vida privada. Subsidiariamente, pede ainda que, se este pedido não proceder por considerar o tribunal considerar não ser a intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias o meio adequado ao caso, se faça a convolação do mesmo num pedido de providência cautelar.

                Para fundamentar o seu pedido principal, alegou o autor estarem reunidos os pressupostos do mesmo, e que já foram também acima referidos, em abstracto. Quanto à existência do direito a proteger, invoca A. os seus direitos à palavra e à reserva da vida privada. Estando em causa a transcrição de escutas telefónicas, entende-se facilmente a razão de ser de se invocarem estes dois direitos, já que estão em causa informações privadas e a sua possível divulgação. Quanto à necessidade da emissão célere de uma decisão de mérito, afirma o autor ser este um tal caso já que pretende que nenhum dos responsáveis pelo desenvolvimento do processo disciplinar entre em contacto com o conteúdo das escutas, e entende também não ser uma providência cautelar suficiente para assegurar o seu direito. Finalmente, condena-se a Federação Portuguesa de Futebol a desentranhar as transcrições do processo disciplinar, preenchendo assim o requisito de condenar a Administração a uma conduta positiva ou negativa (no caso, positiva).

                O STA concordou com esta posição, considerando que só através da intimação pedida o autor poderá alcançar a sua pretensão, e não através de uma providência cautelar. Não considerou assim o TAF de Lisboa. A sentença recorrida entendeu “que a lesão que decorreria da existência no processo disciplinar de um meio de prova alegadamente ilegal poderia ser reparada através de outros meios processuais que não o processo de intimação”. Afirmou ainda “que a situação ora em causa não se revestia de especial urgência já que essa urgência não poderia advir do facto do Conselho de Justiça (…) poder entender que as mencionadas escutas deviam ser admitidas e valoradas”. Apesar disto, também não concordou com a convolação do pedido numa providência cautelar por considerar a lesão como reversível, afirmando ainda ser a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido o meio adequado ao caso.

                Num interessante voto de vencido, o Juiz Conselheiro Madeira dos Santos defende, entre outros aspectos, que esta intimação consiste numa forma de levar o tribunal – poder jurisdicional – a interferir no exercício do Conselho de Justiça, que corresponde ao exercício do poder administrativo. Considera ainda ser exagerado e, consequentemente, desadequado, o recurso à intimação por considerar não estar em causa nenhum direito, liberdade ou garantia que o exija. Isto porque a preocupação do autor é a divulgação do conteúdo das escutas telefónicas, e não a sua forma de obtenção, porque nem o poderia ser, já que esta foi lícita. Mas ao fazer isto está a separar a dimensão da obtenção da dimensão da divulgação das escutas, o que este Juiz Conselheiro considera não ser correcto, entendendo reconduzirem-se ao mesmo. Assim sendo, e sendo as escutas lícitas, defende a falta de direito invocável, apesar de entender ser inadmissível ter em conta escutas telefónicas obtidas no âmbito de um processo-crime. Conclui afirmando que “confirmaria a sentença recorrida e negaria o pedido de intimação”.

                Da análise deste caso, consegue-se ver as dificuldades que este meio processual pode levantar. Estão em causa conceitos e realidades de, por vezes, difícil concretização e objectividade (urgência, direito fundamental…), o que torna a sua aplicação pouco fácil e linear. A sua delimitação, principalmente em relação às providências cautelares, é de extrema importância, visto a procedência de uma intimação ter como resultado uma decisão de mérito, ou seja, a resolução do litígio. Daí a relevância da análise exaustiva dos seus pressupostos e da sua verificação.

 

 Maria Teresa Peixoto Pinhão
nº 140108505


 

VIEIRA DE ALMEIDA, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 11º ediçaõ, 2011

Acórdão - Processo n.º 123921/12 Estamos nas Lonas, SA vs. Ministério da Defesa

Acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa
Processo:
123921/12
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Secção:
CA- 2º JUÍZO
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Data do Acordão:
11/12/2012
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Relatores:
ANA LUÍSA BERNARDINO
BRUNA COELHO
GONÇALO CARDOSO
INÊS ALPANDE LOUREIRO
RAQUEL CARLOS
REINALDO TEIXEIRA
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Descritores:
ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
ACTO DESTACÁVEL
CONTRATO PÚBLICO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS


1
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Decisão Texto Integral:
I.- RELATÓRIO:
    Autora (A.): empresa ESTAMOS-NAS-LONAS, S.A.
    Réu (R.): Ministério da Defesa

O R. decidiu pôr termo ao contrato de fornecimento de 260 viaturas militares blindadas “Pãoduro” com a A., com o argumento de que, até agora, apenas tinham sido fornecidos 160 veículos, os quais, ainda por cima, nunca foram entregues dentro dos prazos contratualmente estabelecidos.
A A. não se conformou com a decisão, até porque alega estar agora em condições de fornecer mais 20 veículos, e pretende contestá-la judicialmente. Assim, vem alegar a violação do princípio da boa-fé por parte do R., ao mesmo tempo que alerta para a “grave situação económica que resultaria para os trabalhadores da empresa” em resultado da decisão administrativa.
Por seu lado, o R. não apenas invoca a seu favor o “combate ao desperdício e às gorduras” da Administração, como pretende também obter uma indemnização pelos prejuízos causados por “um continuado cumprimento deficiente do contrato” pela A..

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos provados
- Dão se como provados os factos enunciados nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º e 12º da Petição Inicial da A., sendo que o facto enunciado no artigo 5º ficou parcialmente provado.
- Dão se como provados os factos enunciados nos artigos 6º, 7º e 22º da Contestação do R., tendo o tribunal concluído pela irrelevância dos factos enunciados nos artigos 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º e 23º.
Assim, resulta de tudo provado que
1. A ESTAMOS-NAS-LONAS (autora, A.) celebrou com o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL (réu, R.), a 1 de Dezembro de 2011, em Lisboa, um contrato de fornecimento de 260 viaturas, pelo montante de €50.000 por veículo, no total de €13.000.000, com o objectivo de renovação da respectiva frota.
2. Foi acordado que o contrato seria cumprido em treze prestações, vencendo-se a primeira a 1 de Janeiro de 2012, e as seguintes no primeiro dia de cada mês.
3. Foi igualmente acordado que a A entregaria a frota de 260 viaturas em treze prestações de vinte unidades, devendo entregar cada prestação de vinte viaturas até à data do vencimento das prestações pecuniárias respectivas.
4. R incumpriu desde logo a primeira prestação (1 de Janeiro de 2012), vindo assim a pôr em causa a viabilidade económico-financeira de A, visto tratar-se de uma prestação de valor avultado (€1.000.000,00), que A. contava para fazer pagamentos a fornecedores, de modo a cumprir pontualmente as prestações de entrega dos veículos a R.
5. Apesar do não cumprimento da primeira prestação por R., a A., com grande esforço económico, continuou a cumprir as prestações, ainda que com atrasos, causados pela inviabilidade económica gerada em cadeia pelo incumprimento de R (falta de pagamento da primeira prestação por R. impossibilitou que A. pagasse aos fornecedores atempadamente que, por sua vez, entregaram as viaturas tardiamente, fazendo com que a própria A cumprisse as prestações subsequentes a R. também tardiamente).
6. A continuou a cumprir, embora com atrasos, porque confiou na manutenção do contrato e na boa fé e no cumprimento, ainda que tardio, de R.
7. A 1 de Agosto de 2012, no limiar das suas forças económicas, A não foi capaz de cumprir com a oitava prestação.
8. A 10 de Agosto de 2012, R. veio interpelar A. para cumprir a prestação em falta no prazo de 15 dias.
9. Apesar do incumprimento da prestação de entrega que se venceu a 1 de Agosto de 2012, e de haver ainda uma prestação pecuniária em falta de R, a A veio a 28 de Agosto de 2012 oferecer-se para cumprir a prestação em falta.
10. A 1 de Setembro de 2012, R vem resolver o contrato, invocando o incumprimento da oitava prestação.
11. Finda a fase negocial com A, R comprometeu-se com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) a participar numa missão de paz à República do Cazacazacazaquistão, no âmbito da NATO - da qual o Estado Português é membro-fundador - naquele país, denominada "Operação Vamos-Mostrar-Ao-Herman-Cain-Onde-É-O-Cazacazacazaquistão.
12. Porém, o fim do contrato celebrado entre o R e a A era unicamente o de renovação da frota de viaturas militares, não tendo sido celebrado tendo em vista a missão da NATO supra referida.
*
Factos não provados
- Não ficou provado o facto enunciado no artigo 13º da Petição Inicial da A.
- Não ficaram provados os factos enunciados nos artigos 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º, tendo o tribunal concluído pela irrelevância dos factos enunciados nos artigos 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º e 23º.

III - FUNDAMENTOS DE DIREITO:
São duas as questões a resolver:
a) saber qual o meio processual adequado (acção administrativa comum ou acção administrativa especial);
b) saber se a resolução do contrato pelo R foi lícita.

Vejamos então.

1) Da escolha do meio processual
            O meio processual escolhido pelas partes controvertidas foi o da acção administrativa especial, cabe assim a este tribunal avaliar esta mesma escolha.
             O campo de aplicação de cada forma de processo é estabelecido pela lei por referência  aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo. O Código do Processo nos Tribunais Administrativos estabelece entre a forma da acção administrativa comum e a acção administrativa especial assente no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício dos poderes de autoridade por parte da administração.




            Neste sentido, diz-nos o art. 46.° do CPTA que seguem a forma de acção especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela administração – actos administrativos ou normas regulamentares – bem como os processos dirigidos  à condenação da Administração e emissão desses actos de autoridade – actos administrativos ou normas regulamentares. Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma de acção administrativa comum, art. 37º do CPTA.
            A propósito da delimitação entre formas de processo refere, Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, a pp. 78, que "em termos genéricos, que a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. (…) Com efeito, determina o art.º 46.º que seguem a forma da acção especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração (actos administrativos ou normas regulamentares) bem como os processos dirigidos à condenação da Administração e emissão desses actos de autoridade (actos administrativos ou normas regulamentares). Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma de acção administrativa comum, art.º 37º.”
            A escolha errada da acção obsta ao conhecimento do mérito da causa, constitui excepção dilatória que conduz a absolvição do réu na Instância segundo o disposto no art.º 287.º al. e) do CPC, aplicável na medida em que se aplica a matéria do Código de Processo Civil subsidiariamente.
            De notar, porém, que como nos diz Mário Aroso de Almeida, “quando com o pedido que deva seguir a forma de acção administrativa comum forem cumulados outro ou outros a que corresponda a forma de acção administrativa especial, deverá adaptar-se, com as adaptações necessárias, a tramitação da acção administrativa especial (art.º 5.º do CPTA).” Em conjugação com este entendimento, José Carlos Vieira de Andrade afirma que é então admissível a cumulação de quaisquer outros pedidos com o pedido principal de impugnação do acto administrativo segundo o disposto no artigo 47.°, n.° 1 do CPTA e no artigo 4.°, por remissão.

            Aliás como refere o Professor, a lei faz uma enumeração exemplificativa das principais cumulações admissíveis no seu artigo 47.°, n.°2 do CPTA. Deste modo, e por aplicação directa da norma estabelecida no artigo 47.°, n.° 2, al.) b do CPTA, podemos desde logo concluir pela cumulação válida dos pedidos por parte dos Autores.
            Resta-nos, contudo, analisar a matéria do “acto destacável”. A este propósito e seguindo aqui de perto a jurisprudência fixada pelo STA em Pleno no seu acórdão de 18/04/2002 (Proc. n.º 46.058 in: «www.dgsi.pt/jtsa») temos que, na verdade, “(…) basta atender àqueles casos em que o acto corresponda a decisão de um subprocedimento ou em que envolva a produção de efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos, no concernente a uma situação individual e concreta, caso em que o acto se tem por destacável, em qualquer dos casos estamos perante actos passíveis de recurso contencioso.
            Como exemplo de actos destacáveis podemos indicar os que impliquem decisão final lesiva relativamente a certa pessoa ou que comprometam irremediavelmente a decisão final num certo sentido.
            Nos cenários acabados de exemplificar os actos em causa não se revestem de uma função meramente adjectiva ou instrumental de preparação do acto final, não se justificando, por isso, fazer apelo ao “princípio da impugnação unitária”, que levaria a ter por recorrível apenas o acto final do procedimento, neste se repercutindo as hipotéticas ilegalidades dos actos preparatórios não destacáveis.
            Porém, tal princípio só se justifica, designadamente, quando o acto em questão se apresente como meramente dotado de uma função preliminar e instrumental pré-ordenada à produção do acto final do procedimento, esgotando-se nesta vocação finalística de preparação do acto final, sem envolver, de “per si” a definição (...) de uma situação jurídica num caso individual e concreto, não provocando efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares. (…).
Disto isto, importa fazer ainda referência ao Professor Vasco Pereira da Silva, in O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, pg. 507, que explica que "os litígios emergentes das relações administrativas de contratação tanto podem dar lugar à acção administrativa especial como à comum, já que:
- sempre que se verifique uma cumulação de pedidos relativos a um contrato com pedidos referentes a um acto administrativo – que tanto pode ser um acto de procedimento pré-contratual, como qualquer acto emitido no decurso da relação contratual (o antes denominado “acto destacável”) – ou a uma norma regulamentar, o meio adequado é a acção especial (art. 5.°, n.°1, do CPTA);”
            Deste modo, entende este Tribunal que o meio processual utilizado pelas partes controvertidas foi devidamente escolhido, sendo este a acção declarativa especial. Entende também, que o acto administrativo se trata de um acto destacável na medida em que este, emitido no decurso da relação contratual, produz efeitos jurídicos externos autonomamente.
            Com efeito, a forma de actuação administrativa que se traduziu na resolução injustificada do contrato (ver infra) configura um acto administrativo destacável, susceptível de, por si, só produzir de forma imediata os seus feitos jurídicos, e que se consubstancia num comportamento unilateral da Administração que não se pode considerar que corresponde ao exercício de poderes contratuais, não podendo, consequentemente, afirmar-se que a acção administrativa comum seria aqui a adequada.
            O acto administrativo em apreço é um acto ilegal, mais precisamente, o acto sofre de uma ilegalidade material, por violação de princípios basilares da actuação administrativa como são os princípios da boa fé, da confiança, da proporcionalidade e da justiça (cfr. arts. 266.º da nossa Lei Fundamental e arts. 6.º e 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo).
            Destarte, a acção administrativa especial para impugnação do acto administrativo foi devidamente intentada, respeitando o preceito da legitimidade activa estabelecido nos termos do art. 55.° do CPTA.


2) Da resolução do contrato

            Passando a citar a frase celebrizada por Carl Sagan: “uma alegação extraordinária carece de prova também ela extraordinária”. Nesta lógica não ficou o tribunal convencido de que tivesse havido um cumprimento defeituoso consubstanciado na entrega dos veículos cor-de-rosa com as características referidas, nomeadamente o disparar de bolas de sabão. Peca por inverosimilhança a alegação pela qual o A., uma empresa em dificuldades financeiras, cuja realidade este tribunal tem por demonstrada, faria um investimento significativo (e potencialmente ruinoso) de modo a atingir uma finalidade também ela pouco esclarecida, uma partida extravagante quiçá. Em suma, tem-se por não provado o cumprimento defeituoso feito nos termos alegados pelo R. e daí se retiram as devidas consequências: não haverá lugar a mora nem terá cabimento uma interpelação admonitória com a finalidade de a transformar em incumprimento definitivo.
            Apesar de não ter o R. fundado a sua resolução no cumprimento defeituoso, isso é claro para este tribunal, mas antes no incumprimento da oitava prestação, facto ao qual acrescem outros factos, como o surpreendente silêncio do A. em juízo relativamente à segunda interpelação admonitória do R., que transformaria a mora alegada pelo R. em incumprimento definitivo e permitiria a resolução do contrato de compra e venda nos termos em que procedeu o R., repetimos, apesar deste facto e daqueles que acrescem, este tribunal julga não ter existido na realidade uma situação de mora do A. relativamente à oitava prestação.
            Ora, este tribunal deu por provado, em consonância com o acordo das partes, que o R. faltou à primeira prestação, que tem o valor de €1.000.000,00 (retificado pelo A. a convite dos juízes) e que relativamente a esta incorreu em mora visto não haver qualquer motivo, o alegado cumprimento defeituoso incluído aqui, que justificasse esta falta, que aliás se mantém, no cumprimento da primeira prestação.
            Muitos foram os argumentos aduzidos, pelo A. e pelo R., para atacar e sustentar, respectivamente, a licitude da resolução. Vingou entre o colégio de juízes incumbidos da tarefa de conhecer do mérito da causa o entendimento de que a resolução do contrato celebrado entre o A. e o R. é ilegal e que, sendo assim, o contrato deve ser restabelecido.
            Como resulta do já afirmado, a falta da primeira prestação pelo R. precipitou o A. numa situação de dificuldade económica (indiciada até pelos sucessivos atrasos nas prestações seguintes) que viria a culminar, no entendimento deste tribunal, numa situação de impossibilidade temporária relativa à oitava prestação. Ora, esta impossibilidade temporária ficou a dever-se a facto imputável ao R., que faltou ao cumprimento da quantia substancial de €1.000.000,00 e com isso causou, como se demonstrou em juízo, dificuldades no pagamento a fornecedores essenciais às operações pelas quais deveriam ter sido produzidos os veículos de modo a serem entregues na data acordada para a oitava prestação. Este tribunal conclui que estamos perante uma impossibilidade temporária, e não definitiva, pelo facto de o A. ter posteriormente oferecido o cumprimento da oitava prestação, cumprimento este recusado liminarmente pelo R.; estando o A. em condições de cumprir posteriormente, a impossibilidade, concluir-se-á, será temporária.
            Em causa está a alínea a) do art. 297.º do Código dos Contratos Públicos, pelo qual “a execução das prestações que constituem o objecto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa” com fundamento na “impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios (…) necessários à respectiva execução”. É nesta alínea a) e não, como veremos, na alínea b), referente à excepção de não cumprimento, que se funda a resolução deste litígio. Ora, desta alínea resulta, aliás à semelhança do que sucederia se recorrêssemos ao regime civil (artigo 792º do Código Civil), que o A., cuja impossibilidade temporária é imputável ao R., não entra em mora após a data fixada para o cumprimento da oitava prestação.
            Como tal, a interpelação admonitória afigura-se desprovida de sentido pois nos casos de impossibilidade temporária imputável ao credor, como sucede aqui, o devedor não incorre em mora. Sendo assim, não poderia em nenhuma circunstância o R. ter transformado, por intermédio de interpelação admonitória, uma mora não existente (pelas razões avançadas) em incumprimento definitivo.
            Sendo assim, forçoso é a este tribunal concluir que a resolução do contrato de compra e venda pelo R. nos termos alegados é ilegal.
            Não deixou contudo de surpreender este tribunal a escassez do A. nos pedidos, deixando nítida a impressão nos juízes que aqui presidiram de não ter retirado todas as consequências dos factos por si alegados. Avulta dentre os exemplos assinaláveis ter o A. alegado uma recusa injustificada pelo R. da sua oitava prestação findo o estado de impossibilidade temporária em que se encontrava sem contudo pedir uma indemnização pela mora de credor, ou sequer se referir a ela nos termos mais rigorosos.
            Ainda relativamente aos pedidos do A. manifesta este tribunal a sua perplexidade perante o absurdo do pedido subsidiário aposto à petição inicial, visto que nela o A. pede uma indemnização por uma resolução lícita do contrato.
            Foi alegado em juízo pelo A., como fundamento legal para a não realização da oitava prestação, o exercício do direito emergente da excepção de não cumprimento tal como este vem previsto no Código Civil. Contudo, o regime relevante da exceptio aqui deve encontrar-se não no Código Civil mas no Código dos Contratos Públicos, onde se constata uma diferença essencial relativamente ao regime civil: sendo o A. a lançar mão da exceptio, “o exercício pelo co-contratante do direito de recusar o cumprimento da prestação depende de prévia notificação ao contraente público da intenção de exercício do direito” (n.º3, art.327 CCP). Daqui resulta claro que, na ausência da notificação exigida, não pode o exercício do direito emergente da exceptio ter sido lícito. A existência de um interesse público subjacente aos contratos em que o Estado ocupa a posição de parte explica a exigência adicional do legislador. Escusa-se o tribunal de discutir as questões interessantíssimas concernentes ao exercício da exceptio suscitadas por ambas as partes no decurso do processo visto que, não obstante o muito interesse académico e prático que as rodeia, se mostrarem insusceptíveis, quaisquer que sejam as suas respostas, de afastar a ilegalidade da alegada excepção de não cumprimento; escusa-se o tribunal de discutir questões inúteis para a resolução do litígio.
            Deste modo, entende este tribunal que a razão assiste ao A. no concernente à ilegalidade da resolução do contrato e manda, desde já, o restabelecimento do mesmo. O restabelecimento do contrato acarreta a possibilidade de o A. realizar a oitava prestação e de prosseguirem as partes com o cumprimento, que se exige cabal, das obrigações emergentes do contrato.
            Tendo o A. pedido o reconhecimento do seu direito ao recebimento da primeira prestação pecuniária (e não, note-se, a condenação do R. ao pagamento do mesmo), no valor de €1.000.000,00, vem este tribunal declarar a existência do direito do A. a essa prestação. Note-se ainda que o A. não pede a condenação do R. ao pagamento de juros de mora, estando este tribunal limitado pelo princípio do pedido.
            Daqui resulta, no tocante agora aos pedidos reconvencionais do R., que nem o pedido de indemnização por incumprimento do contrato nem o pedido de indemnização pelo aluguer de veículos pelo R. são atendíveis, visto faltar-lhes desde logo o pressuposto da ilicitude em razão de o A. se não encontrar em mora mas em situação de impossibilidade temporária imputável ao R.


IV – DECISÃO:

Face ao exposto, em conferência, os juízes do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acordam:
1 - Anular o acto administrativo de resolução do contrato celebrado entre o A. e o R. com base na sua ilegalidade pelos fundamentos acima expostos.

2 - Julgar procedente o pedido do A. de restabelecimento do contrato, podendo o A. prosseguir com o seu cumprimento.

3 - Declarar a existência do direito do A. à primeira prestação pecuniária devida pelo R. no valor de €1.000.000,00 (um milhão de euros) e, concomitantemente, condenar o R. no pagamento da mesma.

4 - Julgar improcedentes os pedidos formulados pelo R.

5 - Condenar o R. em custas.

*
11 de Dezembro de 2012
Ana Luísa Bernardino
Bruna Coelho
Gonçalo Cardoso
Inês Alpande Loureiro
Raquel Carlos
Reinaldo Teixeira



Uma troca de identidades? (Acção administrativa especial e acção administrativa comum)


O legislador português na reforma do Contencioso Administrativo optou por criar uma dicotomia de meios processuais: a acção administrativa especial e a acção administrativa comum.
  Dentro de cada uma destas acções a sentença judicial pode ser de simples apreciação, constitutiva, ou de condenação, de acordo com o art.2.º do CPTA.
   A acção administrativa especial segue o regime consagrado no CPTA, sendo subsidiariamente aplicável a lei processual civil, art.35.º nº2 CPTA. A acção administrativa comum segue o regime consagrado no CPC, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima, art.35.º nº1 CPTA.
   Torna-se assim necessário saber qual o critério para distinguir qual o tipo de acção a utilizar em cada caso, de forma a saber qual o regime a que o processo em questão tem de obedecer.
   O processo segue a forma de acção administrativa especial quanto está em causa um acto administrativo ou uma norma regulamentar. Nos restantes casos em que não sejam deduzidas pretensões relacionadas com esses tipos de actuações o processo é tramitado segundo a acção administrativa comum.
   Isto significa que há um tratamento diferenciado quando estamos perante actos e regulamentos administrativos, o que parece não se justificar. De acordo com o Professor  Vasco Pereira da Silva este critério está marcado pelos “traumas” da infância difícil do Direito Administrativo[1].
  No sistema francês existia um contencioso limitado de “mera anulação” de actos e regulamentos administrativos e um contencioso pleno aplicável a todos os demais litígios. A existência de uma acção especial delimitada às formas de poder administrativo características de uma Administração Agressiva, não faz mais sentido tendo em conta a mudança da natureza do contencioso, que passou a ser destinado à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e não mais à protecção da Administração. Ora, a acção que tem por objecto os actos e regulamentos administrativos é especial, enquanto as restantes actuações estão enquadradas na acção comum, o que se prende com as razões apontadas mas que não faz mais sentido tendo em conta um contencioso de jurisdição plena.
   Tradicionalmente entendia-se que o Direito Administrativo era excepcional em relação ao Direito Civil. O Direito Administrativo tinha uma natureza especial que se traduzia numa excepcionalidade de poderes da Administração, na existência de privilégios exorbitantes e numa lógica autoritária. Actualmente entende-se que o Direito Administrativo é uma disciplina autónoma com regras e valores próprios e que os processos no seu seio são também autónomos no âmbito de uma jurisdição separada. Ora, chama-se à acção que segue o regime do CPTA de especial, enquanto a que segue a lei processual civil se apelida de comum, esta denominação não tem assim sentido de acordo com a não excepcionalidade do Direito Administrativo actualmente.
   Conclui-se assim pela infeliz denominação dada a estas acções pelo legislador.
  Mas não fiquemos por aqui, o CPTA assumiu o princípio da livre cumulabilidade de pedidos, arts.4.º e 5.º, com o objectivo de que numa acção pudessem ser apreciados pedidos relativos a actos ou regulamentos administrativos, mas que, simultaneamente, pudessem ser também apreciados quaisquer pedidos, relacionados com qualquer outra forma de actuação administrativa[2]. No entanto, sempre que existe esta cumulação de pedidos o processo segue a forma de acção administrativa especial. Esta solução coloca, nomeadamente, um problema: sendo o acto administrativo destacável da relação contratual deve ser impugnado autonomamente seguindo-se a acção administrativa especial; não sendo destacável, deve ser enquadrado na relação contratual seguindo-se a acção administrativa comum - a questão estará em saber quando é que há destacabilidade do acto administrativo, visto que há uma “crescente fungibilidade entre as figuras do acto administrativo e do contrato”[3].
  Dito isto, conclui o Professor Vasco Pereira da Silva, “a dita acção administrativa “especial” vai passar a ser a “comum” e a dita acção “comum” vai passar a ser, na prática, a “especial”. Estamos portanto perante um fenómeno de troca de nomes [sublinhado nosso], se não mesmo de “troca de identidades”[4].


Margarida Sepúlveda Teixeira
Nº140111508



[1] Silva, Vasco Pereira da ,  “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2º edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág.246 e s.
[2] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, 1º edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág.356
[3] Idem.
[4] Silva, Vasco Pereira da ,  “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2º edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág.249