sexta-feira, 30 de novembro de 2012


CONTESTAÇÃO

Processo n.º 123921/12

Secção 13

 

Exmo. Senhor Juiz de Direito do Tribunal

Administrativo de Círculo de Lisboa

 

O Ministério da Defesa (R), com domicílio na Av. da Ilha da Madeira, 1400-204, Lisboa, vem contestar a acção administrativa especial para a impugnação de acto administrativo relativo ao acto administrativo de resolução de contrato, praticado pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional,

 

Que lhe é movido por ESTAMOS-NAS-LONAS (A), S.A., NIPC n.º 15014294, com sede na Avenida Óscar Monteiro Torres, n.º 10, 1300-311 Lisboa:

 

I – POR EXCEPÇÃO

 

Recusa da Petição

 

1.º

Nos termos do art. 80.º nº 1 al. d) do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA), a petição inicial apresentada por A deveria ter sido desde logo recusada pela secretaria, dada a ausência do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou qualquer documento que atestasse a concessão de apoio judiciário, pelo que

 

2.º

Não deve ser considerada a petição inicial apresentada por A.

 

3.º

Ainda que assim este Tribunal não o considere, cabe a R a contestação de toda a matéria relativa à sua defesa, nos termos do art. 83.º n.º 1 do CPTA, pelo que

 

II – POR IMPUGNAÇÃO

 

Da legitimidade

 

4.º

Tem-se como verdadeiro o disposto nos arts. 14.º, 15.º, 16.º e 17.º da petição inicial apresentada por A.

 

Dos factos

 

5.º

Têm-se como aceites os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 11.º da petição inicial.

 

6.º

As viaturas em causa são viaturas militares blindadas comummente designadas por “Pãoduro”.

 

7.º

R não cumpriu, de facto, com a sua primeira prestação, por motivos alegados de seguida. O valor desta primeira prestação era de 1 milhão de euros e não de 50 mil euros, como alegado no art. 5.º da petição inicial. O montante de 50 mil euros é referente ao montante de cada viatura.

8.º

Ao contrário do que A vem sucessivamente a alegar, nomeadamente no art. 6.º da petição inicial, A não “continuou a cumprir o contrato”. Pelo menos, não o cumpriu pontualmente dado que as viaturas nunca mais foram entregues dentro dos prazos contratualmente estabelecidos.

9.º

Em consequência, não pode A considerar que se pautou de acordo os ditamos da boa fé, nem tão-pouco que tenha transmitido confiança a R, nomeadamente pelo atraso reiterado no incumprimento das prestações.

 

10.º

A isto acresce o cumprimento defeituoso da primeira prestação por parte de A, dado que,

 

11.º

no dia 1 de Janeiro de 2012, a prestação de A correspondeu à entrega de vinte viaturas com pintura cor-de-rosa (anexo I), cujas armas não eram compatíveis com as munições de uso corrente – já que disparavam bolas de sabão – e com motores que não engrenavam correctamente.

 

12.º

Em resultado do cumprimento defeituoso da primeira prestação, R notifica A a 2 de Janeiro de 2012, por carta registada com aviso de recepção, dando um novo prazo de 15 dias para o cumprimento correcto da prestação (anexos II e III).

 

13.º

Não obstante quaisquer outros contratos entre A e R, como o invocado nos arts. 8.º e 9.º da petição inicial, anteriormente celebrados e até pontualmente cumpridos, estes em nada provam a boa fé invocada por A no presente contrato.

 

14.º

Dito isto, não vale o invocado por A no art. 10.º da petição inicial.

 

15.º

A incumpriu a oitava prestação de entrega das viaturas e nenhum interesse demonstrou em cumpri-la, razão pela qual, aliás, não tenha A produzido qualquer meio de prova que permita a este Tribunal formar convicção em sentido contrário. Reiteramos que R nunca conheceu de A nenhum interesse manifestado no sentido de realizar a prestação em falta relativa à oitava prestação, vencida a 1 de Agosto de 2012.

 

16.º

Mais, R exerceu, dado o facto previsto no art. anterior, o seu direito de resolução do contrato,

 

17.º

e exerceu-o perante notificação a A, por carta registada com aviso de recepção, a 10 de Agosto de 2012 (anexo IV),

 

18.º

tendo ainda sido dada a A a oportunidade de cumprir a prestação em falta no prazo de 15 dias (anexo V).

 

19.º

Na falta do cumprimento da prestação no novo prazo estabelecido por R no art. 18.º da presente contestação, R decide então resolver o contrato, de forma definitiva,

 

20.º

e fá-lo no dia 1 de Setembro de 2012, para além do e-mail invocado no art. 13.º da petição inicial, por carta registada com aviso de recepção (anexo VI e anexo VII), demonstrando R toda a diligência necessária de que o caso em apreço carece.

 

21.º

Dito isto, não vale o alegado no art. 13.º da petição inicial, não se tendo o contrato resolvido sem aviso prévio nem tão-pouco sem motivo.

 

22.º

Finda a fase negocial com A, R comprometeu-se com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) a participar numa missão de paz à República do Cazacazacazaquistão, no âmbito da NATO - da qual o Estado Português é membro-fundador - naquele país, denominada "Operação Vamos-Mostrar-Ao-Herman-Cain-Onde-É-O-Cazacazacazaquistão.

 

23.º

Dado o incumprimento da oitava prestação por parte de A, R enfrentou custos acrescidos no valor de 80 mil euros, preço do aluguer de outras vinte viaturas, de modo a conseguir honrar o compromisso com a NATO.

 

 

Do Direito:

 

24.º

A invoca fundamentos para o incumprimento da prestação devida por A a 1 de Agosto de 2012.

 

25.º

Para tal, identifica – e bem – o contrato celebrado entre A e R como um contrato de aquisição de bens móveis, nos termos do Código dos Contratos Públicos (CCP), conforme art. 437.º do mesmo.

 

26.º

A invoca que R não cumpriu a primeira prestação, vencida no dia 1 de Janeiro de 2012, relativa ao pagamento do preço.

 

27.º

A alegada falta da primeira prestação por R, que não se contesta, merece todavia diferente qualificação jurídica,

 

28.º

porque legitimada ao abrigo de uma excepção de não cumprimento, face ao cumprimento defeituoso por parte de A.

 

29.º

Na verdade, muito se surpreendeu R quando, no dia 1 de Janeiro de 2012, data do vencimento simultâneo das primeiras prestações acordadas, se deparou com a entrega por A de vinte veículos militares blindados com pintura cor-de-rosa (anexo I).

 

30.º

Acresce que os motores dos veículos não engrenavam correctamente, forçando à sua imobilização permanente.

 

31.º

Além de que as armas que incorporavam os veículos, não sendo compatíveis com as munições de uso corrente, disparavam bolas de sabão, munições essas apenas apropriadas à dispersão de manifestações infantis, desprovidas de quaisquer intenções bélicas,

 

32.º

por tudo impossibilitando a utilização normal a que se destinam os veículos militares blindados.

 

33.º

Estando pública e notoriamente preenchido o requisito geral do art. 913.° do Código Civil (CC), o cumprimento feito por A foi, no plano jurídico, grosseiramente defeituoso.

 

34.º

Lembre-se que o próprio CCP, no seu art. 441.º, estabelece que “o fornecedor está obrigado a entregar todos os bens objecto do contrato em conformidade com os termos no mesmo estabelecidos, tendo em conta a respectiva natureza e o fim a que se destinam.”

 

35.º

Tendo R notificado A do descrito e tendo sido dado um novo prazo de 15 dias para o cumprimento correcto da prestação, logo no dia 2 de Janeiro, por carta registada com aviso de recepção (anexo II e anexo III), cumpriu-se o exigido pelo artigo 325° n° 1 do CCP.

 

36.º

Ora, nos termos do n° 4 do art. 325° do CCP que remete para as regras gerais do CC, R rogou-se utilizar o meio de defesa da excepção de não cumprimento previsto nos arts. 428° e seguintes do CC, com base no cumprimento defeituoso consagrado no art. 913.º do CC.

 

37.º

Nas palavras de ANDRÉ SALGADO MATOS, o “CCP não regula unitariamente o incumprimento contratual, mas a remissão da parte final do art. 325° n.º 4 do CCP deve entender-se como abrangendo toda a matéria do incumprimento contratual”. Assim,

 

38.º

o texto do art. 325.º n.º 4 do CCP tem um alcance necessariamente mais amplo do que a letra da lei: nos termos do art. 325.º n.º 4 do CCP, a aplicação das disposições do CC para as quais se remete não é prejudicada pelo disposto nos números anteriores” [do art. 325.º do CCP], pelo que faz todo o sentido aplicar todo o regime do incumprimento contratual.

 

39.º

Pois que as prestações recíprocas se venciam no mesmo dia e que A cumpriu com defeito, verificando-se portanto os requisitos de aplicação daquele instituto, de acordo com a remissão do art. 325.º n.º 4 do CCP.

 

40.º

Pelo que se legitima o não pagamento da contraprestação devida por R, dando-se por especificamente impugnado o disposto nos arts. 5°, 23°, 24°, 27° e 28º da petição inicial.

 

41.º

Ainda que assim não se entendesse, não assiste qualquer razão a A quando invoca o art. 327.º do CCP relativo à excepção de não cumprimento do contrato por parte do co-contratante, nem mesmo em relação à primeira prestação pecuniária em falta por parte de R.

 

42.º

A alega que, face ao incumprimento da prestação por parte de R na primeira prestação, pode agora A recusar-se à entrega das viaturas. Tal não procede.

 

43.º

O exercício pelo co-contratante do direito de recusar o cumprimento da prestação depende, nos termos do n.º 3 do art. supra-citado, de “prévia notificação ao contraente público da intenção de exercício do direito e dos respectivos fundamentos, com a antecedência mínima de 15 dias”.

 

44.º

A falta desta notificação resulta na não consideração do direito de A a invocar a excepção de não cumprimento, e como tal, a ignorar a pretensão de A.

 

45.º

De qualquer modo, sempre o critério estabelecido no n.º 1 do referido art., “desde que a sua recusa em cumprir não implique grave prejuízo para a realização do interesse público”, não se teria preenchido, ao contrário do que A alega no art. 25.º da petição inicial.

 

46.º

Em face disto, como ficou demonstrado in casu, da falta dos requisitos exigidos pelo art. 327.º do CCP, nunca poderia A ter recusado a cumprir a oitava prestação com base na excepção de não cumprimento.

 

47.º

Não é procedente a alegação feita no art. 27.º da petição inicial.

 

48.º

Face aos pedidos subsidiários de A cabe ainda análise do Direito.

 

49.º

A invoca a falta de estipulação de um novo prazo para o cumprimento da oitava prestação em falta, nos termos do art. 325.º do CCP, alegando que R deveria ter estipulado um novo prazo face à mora de A.

 

50.º

Não se percebem as insinuações de A.

 

51.º

É que, de facto, perante o incumprimento na entrega dos veículos a 1 de Agosto de 2012, R notificou A no dia 10 de Agosto de 2012, por carta registada com aviso de recepção (anexo IV e V), dando conta de um novo prazo – razoável – de 15 dias para o cumprimento da prestação,

 

52.º

cumprindo deste modo o requisito do n.º 1 do art. 324.º do CCP, referente ao incumprimento por facto imputável ao co-contratante.

 

                                                                    53.º

Mantendo-se a situação de incumprimento após o decurso dos 15 dias estabelecidos, podia R resolver o contrato – como o fez – com fundamento em incumprimento definitivo, de acordo com o disposto no art. 325.º n.º 2 do CCP, transformada que foi a mora em incumprimento definitivo.

 

54.º

Tal resolução sempre resultaria do art. 333.º do CCP, que permite que o contraente público resolva o contrato a título sancionatório nos casos de incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao co-contratante, conforme o n.º 1 al. a) do respectivo art.

 

55.º

A resolução do contrato tem como fundamento o incumprimento definitivo, nos termos do disposto nos arts. 325.º n.º 1 e 2 e pelo art. 333.º n.º 1 al a) do CCP. Tendo sido notificada A para cumprir a prestação dentro de um prazo razoável, e tendo-se mantido a situação de incumprimento, sempre podia R resolver o contrato, sem necessidade de sequer alegar qualquer eventual perda no interesse da prestação, conforme invocado no art. 29.º da petição inicial.

 

56.º

Reitera-se a ausência de apresentação de prova da notificação invocada por A nos arts. 12.º e 30.º da petição inicial,

 

57.º

e como tal, não chegou R a conhecer de qualquer intuito por parte de A de cumprir a prestação nem tão-pouco se poderá invocar uma recusa face à entrega de A de que resulte o dever de colaboração no cumprimento do contrato.

 

58.

Ainda que assim não o fosse, o intuito do cumprimento deduzido a 28 de Agosto conforme alegado no art. 30.º da petição inicial, sempre seria extemporâneo relativamente ao prazo dado por R para o cumprimento da prestação.

 

59º

Já vimos que a resolução é possível conforme as regras gerais do CCP.

 

60.º

Importa, tal como muito bem A admite, ver a regra especial quanto à resolução pelo contraente público nos contratos de aquisição de bens móveis, que estabelece no art. 448.º n.º 1 do CCP que “sem prejuízo dos fundamentos gerais de resolução do contrato e de outros neste previstos e do direito de indemnização nos termos gerais, pode o contraente público resolver o contrato no caso de o fornecedor violar de forma grave ou reiterada qualquer das obrigações que lhe incumbem, nomeadamente quando a entrega de qualquer bem objecto do fornecimento se atrase por mais de três meses ou o fornecedor declarar por escrito que o atraso na entrega excederá esse prazo.”

 

61.º

Conforme a boa interpretação, o advérbio "nomeadamente" indica que a lei é meramente exemplificativa quanto ao que se deve entender por "forma grave e reiterada".

 

62.º

Desta forma, o atraso por mais de três meses na entrega do bem objecto do fornecimento não constitui o único exemplo fundamento de resolução do contrato.

 

63.º

Lembre-se que as prestações de A nunca foram entregues dentro dos prazos contratualmente estabelecidos, tornando o incumprimento inequivocamente reiterado. Consubstanciou-se uma violação grave e reiterada das obrigações contratuais, particularmente no que toca aos atrasos sucessivos.

 

64.º

Dito isto, e ao contrário do resulta da conclusão de A no art. 35.º da petição inicial, a resolução do contrato era, mais uma vez, possível, também de acordo com o regime especial do contrato de aquisição de bens móveis.

 

65.º

A faz ainda um pedido de indemnização que entende resultar do art. 334.º n.º 1 e 2 do CCP, mas sem razão.

 

 

 

66.º

A indemnização a que o co-contratante tem direito nos termos supra-citados resulta de uma eventual resolução por razões de interesse público.

 

67.º

Como sustentámos nos arts. 43.º, 44.º, 45.º e 52.º da presente contestação, a resolução por parte de R era possível em face dos arts. 325.º (de acordo com o art. 333.º) e 448.º do CCP.

 

68.º

Não se tem por que se considerar aqui a necessidade de chamar à colacção a resolução por razões de interesse público, já que a resolução já está – bem – justificada, nos termos da lei,

 

69.º

e a indemnização pretendida por A no art. 36.º da petição inicial só é devida precisamente em casos de resolução por razões de interesse público, não aplicável.

 

70.º

Mas ainda que assim se considerasse [aplicação do art. 334.º do CCP], de forma subsidiária, sempre se permitiria, mais uma vez, a resolução por parte de R, de forma a, como afirma MARCELO CAETANO, “evitar males maiores do que os já produzidos pela dificuldade ou impossibilidade de cumprimento do pactuado”, pelo que, em regra “cabe sempre à Administração o poder de resolução”.

 

71.º

A introduz na petição inicial, nos arts. 37.º a 39.º a problemática do direito ao trabalho, constitucionalmente protegido pelo art. 58.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

72.º

O direito ao trabalho constitucionalmente consagrado não pode ser entendido conforme a interpretação feita por A.

 

73.º

Não é ao Estado Português que cabe directamente atribuir um emprego a cada cidadão, nem isso lhe seria exigível. O que se pretende é que o Estado crie condições, nomeadamente a nível legislativo, para assegurar políticas de emprego e promover a igualdade de oportunidades. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS afirmam, a propósito do direito ao trabalho do art. 58.º da CRP, que “o direito ao trabalho, embora se funde ainda na dignidade da pessoa humana e se destine a prover às necessidades de uma vida digna, constitui tipicamente um direito económico, social e cultural. O seu destinatário primeiro é o Estado e a sua plena efectividade pressupõe a prévia criação das condições, normativas e fácticas, de que depende o pleno cumprimento do plano constitucional (...) tem em vista sobretudo a criação de condições pelos poderes públicos para que o direito de escolher livremente a profissão ou género de trabalho se torne plenamente efectivo para todos”.

 

74.º

A invoca ainda, no art. 41.º da petição inicial, a violação do princípio da boa fé nas relações contratuais conforme exigido pelo art. 6.º-A n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

 

75.º

Assim não se deve entender.

 

76.º

O art. 6.º-A do CPA dirige-se tanto à Administração, como aos particulares: aquela e estes devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé, o que, no quadro de uma administração participada e, porventura, concertada.

 

77.º

O princípio da boa fé exprime hoje, inquestionavelmente, um vector geral de todo o ordenamento jurídico. O seu respeito realiza-se através da ponderação dos “valores fundamentais do direito, relevante em face das situações consideradas” concedendo-se especial importância à “confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa” e ao objectivo a alcançar com a actuação empreendida”, conforme disposto no art. 6º-A n.º 2 do CPA.

 

78.º

Por tudo o que já foi referido, tem-se como assente que tanto a excepção de não cumprimento invocada por R como a resolução levada a cabo mais tarde em nada têm que ver com eventuais (e reais) dificuldades financeiras de R. Lembre-se que a excepção de não cumprimento derivou de um cumprimento defeituoso por parte de A e que a resolução proveio dos sucessivos atrasos no cumprimento das obrigações, bem assim, como da falta de interesse demonstrado por A em prestar.

 

79.º

É na verdade A que, dados os factos supra-citados, revela uma precariedade económica e revela a impossibilidade de conseguir levar a termo as prestações a que se comprometeu. Lembre-se que o cumprimento defeituoso da primeira prestação sempre demonstra violação do princípio da boa fé de A, e nunca pela parte de R.

 

80.º

A concretização do princípio da boa fé é possibilitada através de dois princípios básicos: o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da materialidade subjacente.

 

81.º

Quanto à violação do principio da tutela da confiança, invocado por A no art. 44.º da petição inicial, é necessário, antes de mais, estabelecer quais os seus quatro pressupostos jurídicos.

 

82.º

O primeiro pressuposto consiste na existência de uma situação de confiança. Ora nunca R criou em A a convicção que a entrega de veículos blindados cor-de-rosa responderia ao cumprimento exacto do contrato. E mesmo que a cor dos veículos não fosse estipulada pelas partes, decorre do próprio fim do contrato – renovação das frotas do Ministério da Defesa –  que tal cor não responde à exigência do mesmo. E

 

83.º

conforme o que está previsto no art. 60º n.º 2 do CPA, R sempre se disponibilizou ao esclarecimento do que fosse necessário para o exacto cumprimento do contrato. A nunca colocou qualquer questão quanto às características do objecto contratual.

 

84.º

O segundo pressuposto consiste na justificação para essa confiança, ou seja, elementos objectivos capazes de provocar uma crença plausível. Não há elementos objectivos que originem tal crença em A – de que o cumprimento correcto correspondia aos factos alegados no art. 11.º da presente contestação.

 

85.º

A tutela da confiança assenta também no necessário investimento da confiança, desenvolvido em actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada. R, finda a fase negocial com A, comprometeu-se com a NATO  a participar numa missão de paz, pelo que dispensou outros esforços económicos para a mesma.

 

86.º

Por último, exige-se uma imputação da situação de confiança, ou seja, existência de um autor a quem ser deva entregar a confiança do tutelado. A não pode imputar a R a convicção que o cumprimento da primeira prestação, tratando-se de veículos blindados cor de rosa, consubstanciaria uma prestação exacta. Nem nunca R criou essa convicção, nem expressa nem tacitamente.

87.º

Nos termos do art. 280.º do CCP, são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas, as normas de direito administrativo e, na falta destas, o direito civil.

 

88.º

Decorre do art. 837.º do CC, um dos princípios que governam o cumprimento das obrigações, nomeadamente o princípio da pontualidade, que a prestação tem que ser cumprida nos exactos termos em que foi acordada, proibindo-se o devedor de prestar coisa diversa da devida. Quanto à primeira prestação, A não respeitou seguramente  este princípio.

 

89.º

Dado o supra-referido, não há qualquer confiança de A para tutelar no âmbito do cumprimento exacto da primeira prestação.

 

90.º

Quanto à confiança invocada por A da não resolução do contrato, pelo R, com fundamento na aceitação das prestações tardias, tal também não procede, senão vejamos,

 

91.º

após o cumprimento defeituoso da primeira prestação, A cumpriu tardiamente a segunda e restantes prestações. Mesmo assim R, confiando na capacidade de A em honrar os seus compromissos, manteve o seu interesse em prosseguir com a relação contratual, confiando que as seguintes prestações seriam cumpridas, pontual e integralmente.

 

92.º

Ou seja, das trezes prestações inicialmente acordadas, uma foi defeituosamente cumprida e as sete seguintes cumpridas tardiamente. A não agiu, no âmbito desta relação contratual, com correcção e lisura, próprias e exigidas por um ente que contrata com a Administração Pública, pondo em crise a própria realização do interesse público a que o contrato pretendeu responder.

 

93.º

R, pelo contrário, sempre se pautou por um conduta diligente, digna, respeitadora dos interesses a prosseguir. Mesmo que no limiar das suas forças, e para honrar o sua posição, R notificou A para que esta cumprisse pontualmente a oitava prestação, sob pena de R resolver o contrato. Mesmo assim A não cumpriu.

 

94.º

Posto isto, A não pode vir agora invocar contra R a sua amabilidade em receber as prestações tardias nem tão-pouco inovcar que estas constitutem um venire contra factum proprium. A tolerância nos atrasos, até tendo em conta todos os custos decorrentes da adopção de novos procedimentos contratuais, não pode ser entendida como uma aceitação que os legitime, e

 

95.º

R fê-lo na tentativa de manter um contrato que estava, pelos visto, ab initio, destinado à morte. Bem tentou R ignorar tal facto, mas a falta da oitava prestação foi o golpe fatal.

 

96.º

Dados todos os argumentos expostos e considerando improcedente toda a argumentação levada a cabo por A, não se tem como violado o princípio da legalidade, consagrado no art. 3.º do CPA,

 

97.º

pelo que se tem como correcta a actuação do R em todo estes procedimentos descritos.

 

98.º

Nem tão-pouco se tem como aceite, por tudo o que já se disse, o invocado no art. 47.º da petição inicial

 

III – POR RECONVENÇÃO

Pedido de indemnização

99.º

Por tudo o supra-invocado, pretende agora o R que o Tribunal aprecie e condene A ao pagamento de uma indemnização, em benefício de R, em resultado de um incumprimento constante do contrato, muito particularmente em resultado do incumprimento da oitava prestação, nos termos gerais.

100.º

Lembre-se que o direito à resolução presente nos arts. 325.º, 333.º e 448.º do CCP não exclui, em nenhum dos casos, o direito de indemnização nos termos gerais (325 n.º 4, 333.º n.º 2 e 448.º n.º 1).

101.º

Nos termos do art. 798.º do CC em relação à falta de cumprimento imputável ao devedor, em conjunção com os arts. 562.º e ss do CC, cabe a A indemnizar R nos prejuízos causados. Evidenciamos o regime da prova de culpa desta forma de responsabilidade, previsto no art. 799.º do CC, que estabelece o ónus da prova contra o devedor.

102.º

E não obstante o ónus de prova quanto à falta de culpa no incumprimento ser de A, chamamos a atenção para a questão da má-fé negocial ou pré-contratual de A.

103.º

Que a contraparte agiu de má fé, não temos dúvidas. Relembramos que A nunca cumpriu uma única prestação tempestivamente. Manifestamente, A violou os deveres de cuidado que lhe eram exigíveis, agindo com uma total irresponsabilidade que à ordem jurídica deve repugnar e que esta deve, consequentemente, sancionar.

104.º

Cabe assim indemnização em face do incumprimento, pelo menos, da prestação das vinte viaturas devidas a 1 de Agosto de 2012, no valor de 1 milhão de euros.

105.º

Para além da perda da oitava prestação, tem-se que o R sofreu prejuízos avaliados em cerca de 80 mil euros, em resultado do incumprimento de A na oitava prestação,

106.º

já que, como se sabe, o R sofreu prejuízos adicionais em face de se ter já comprometido com a NATO na participação na missão de paz apelidada "Operação Vamos-Mostrar-Ao-Herman-Cain-Onde-É-O-Cazacazacazaquistão”.

107.º

Em resultado da falha da prestação das vinte viaturas, esperadas por R, nessa data, para a participação na referida missão, R teve de proceder ao aluguer de outras vinte viaturas, o que teve o custo de 80 mil euros, incorrendo desta forma a custos adicionais ao esperado, além de que

108.º

o incumprimento de A colocou sérios perigos não só à reputação internacional e bom nome da República Portuguesa, mas também ao cumprimento por parte do Estado Português dos seus compromissos internacionais, desde logo do envio de um contingente militar no âmbito da operação "Vamos-Mostrar-Ao-Herman-Cain-Onde-É-O-Cazacazacazaquistão", que incluiria, nomeadamente, os blindados a fornecer por A.

109.º

Pede-se assim que A seja ainda condenado a pagar o valor do aluguer dos veículos, 80 mil euros, ou seja, tudo quanto exceda os gastos que R teria de suportar caso o contrato, nomeadamente a oitava prestação, fosse pontualmente cumprido.

110.º

Pedimos que a quantia resultante da obrigação de A de indemnizar R seja actualizada ao valor da Inflação, tal como identificado pelo Banco de Portugal na sua avaliação trimestral.

 

IV- DO PEDIDO

Dado o supra referido, e conforme as melhores regras de direito, esperemos que este douto tribunal considere improcedente todos os pedidos de A e, deste modo, aprecie o correcto comportamento de R, nomeadamente no que diz respeito à invocação da excepção de não cumprimento e ao exercício do seu direito de resolução.

Dado o exposto, pede R a condenação de A, no pagamento de uma indemnização no valor de 1,8 milhões euros, devido ao já mencionado incumprimento da oitava prestação e os custos adicionais daí decorrentes.

 

E desta forma que deve ser feita a tão acostumada Justiça!