domingo, 30 de setembro de 2012

Judicial Review vs Acção Administrativa Especial

   No sistema anglo-saxónico a apreciação do exercício do poder administrativo pelo Administrative Court é feito através da judicial review. No sistema português esta apreciação, pelos Tribunais Administrativos, é feita através de dois tipos de processos administrativos, a acção administrativa comum e a acção administrativa especial.

     A acção administrativa comum é o processo administrativo que admite a dedução genérica de pedidos de condenação, de mera apreciação e constitutivos, sempre que não tenha sido emitido nem se pretenda a emissão de um acto administrativo ou de uma norma. Não necessita de uma tramitação específica.

     A acção administrativa especial é o processo administrativo que se reporta à contestação da prática ou omissão de actos administrativos ou de normas. Tem uma forma processual específica regulada no Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
  
  Neste pequeno texto pretendo apresentar resumidamente as fases dos processos administrativos em ambos os sistemas, a judicial review do sistema anglo-saxónico, e a acção administrativa especial no sistema português, pois é esta a acção mais importante no âmbito do Contencioso Administrativo. No final será apresentada uma breve comparação dos dois sistemas.


     Fases da judicial review:
     1.   application for judicial review;
     2.   judicial review application;
     3.   submition of the arguments;
     4.   hearing.

     Cada application para judicial review deve ser apresentada na prazo de 3 meses a contar da data em que é possível essa apresentação. Mas ainda, antes do pedido para judicial review, o particular deve apresentar um pre-action protocol, que se destina a chamar a atenção da autoridade pública responsável pela contestação do particular e a permitir a oportunidade de uma resolução consensual, sem que seja necessário recurso para os procedimentos judiciais.

     Para que possa haver uma judicial review é necessária a apresentação de uma application com base na qual o juiz vai decidir se a questão levada é de mérito jurídico. Nesta application o recorrente deve persuadir o Court de que o caso apresentado tem mérito jurídico. Se o Court decidir que o caso não tem suficientemente interesse a application será recusada e não se dará a judicial review. Mas se o Court reconhecer o mérito da causa, então dará permissão ao particular para recorrer à judicial review.

     Concedida a permissão o recorrente apresentará uma judicial review application, que deve conter: (i) informação sobre o recorrente, (ii) a entidade pública, Departamento Governamental ou Ministro que é demandado, (iii) o acto ou decisão que o recorrente está a contestar, (iv) a fundamentação da contestação do recorrente, (v) a solução proposta pelo recorrente. A esta application o recorrente deve juntar um affidavit, onde fará a completa e verdadeira descrição de todos os factos, matérias e circunstâncias relevantes para o caso, juntando os documentos materiais. Por outro lado a entidade demandada deverá apresentar um ou mais affidavits com todos os documentos relevantes para o julgamento do caso.

     Ainda antes do hearing os representantes legais das partes devem submeter as suas contestações por escrito. No hearing as partes irão fundamentar estas suas contestações e deverão responder às questões levantadas pelo Court. A duração do hearing depende do volume e da complexidade do caso. Na sua conclusão o juiz apresenta a sua decisão. A decisão escrita é normalmente apresentada no prazo de 3 meses, reservando-se ao juiz a possibildade de proceder a novo hearing para consideração de novos factos. A parte vencida tem o direito de recorrer ao Court of Appeal.
               

     Fases da acção administrativa especial:
     1.   fase dos articulados
     2.   saneamento
     3.   instrução
     4.   discussão
     5.   julgamento

     O processo administrativo inicia-se, na fase dos articulados, com uma petição inicial do recorrente. Esta petição deve, de acordo com o art.467º do CPC: (i) designar o tribunal onde a acção é proposta e identificar as partes; (ii) indicar o domicílio profissional do mandatário judicial; (iv) indicar a forma do processo; (v) apresentar os factos e a fundamentação da acção; (vi) formular o pedido, (vii) declarar o valor da causa. Esta petição pode ser recusada pela secretaria nos casos previstos no art.80º nº1 do CPTA.

     Depois de recebida a petição inicial, a secretaria deve citar a entidade demandada e os contra-interessados, se existirem, para contestarem, segundo o art.81º nº1 do CPTA. Estas figuras terão um prazo de 30 dias para contestar a acção; se o fizerem, deverão apresentar na contestação toda a matéria relativa à defesa, juntamente com os documentos necessários para demonstração dos factos que se propõem provar.

   A petição e a contestação, se existir, deverão ser remetidas para o tribunal pela Administração, de acordo com o art.8º nº3 do CPTA.

     Em certos casos as partes poderão apresentar articulados supervenientes.
     
     O Ministério Público poderá intervir no prazo de 10 dias para modificação de alguma questão que considere relevante, tendo alguns poderes específicos.

     Tendo sido o processo remetido ao juiz este proferirá despacho saneador em três situações, secundo o art.87º nº1 do CPTA: (i) quando lhe cumpra conhecer questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo; (ii) quando conheça do mérito da causa ou de alguma excepção peremptória; (iii) quando determine a abertura de um período de produção de prova.

     Se o juiz decidir que o processo deverá prosseguir mas que a matéria de facto se mostra controvertida, deverá abrir uma fase de instrução, fixando no despacho saneador um período de produção de prova. A instrução consiste num único momento processual, independentemente dos pedidos formulados pelo autor; em casos especiais a instrução pode ter lugar faseadamente.

     Nos casos em que não haverá um julgamento, poderá haver uma audiência pública. Esta audiência pode ser determinada pelo juiz ou relator ou pode ser requerida por qualquer uma das partes.

     Havendo julgamento o processo é levado ao juiz ou relator. O juiz deverá tomar uma decisão fundamentada e decidir de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

     Apresentados os dois processos há que fazer uma breve reflexão.

     No sistema inglês antes de se iniciar a judicial review há primeiro uma tentativa de conciliação sem recurso aos meios judiciais, e ainda que esta não se consiga, é necessário um primeiro pedido para que se possa recorrer à judicial review, o que significa que só os casos de mérito serão apresentados no tribunal. Por outro lado no sistema português estas fases não existem, mas o processo não será directamente apresentado ao tribunal mas sim à administração.

     O conteúdo da petição em cada um dos sistemas é muito similar; mas enquanto no sistema inglês o mérito da application é decidido anteriormente, o que significa que assim que é apresentada a petição o caso segue para o juiz, no sistema português só posteriormente o juiz decidirá do mérito da causa, podendo proferir um despacho saneador. No sistema inglês a entidade demandada terá sempre de apresentar um affidavit, enquanto no sistema português a entidade demandada só se quiser é que apresentará uma contestação.

     No sistema português poderá haver uma audiência pública não sendo necessário o recurso ao julgamento, audiência esta que não existe no sistema inglês.

     Após o julgamento os juízes deverão apresentar a sua decisão sobre a matéria de facto.

     Penso serem estas as principais diferenças nos processos dos dois sistemas.


     Bibliografia Consultada

     Freitas do Amaral, Diogo/ Aroso de Almeida, Mário - “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra 2004

     McCloskey, Justice Bernard - “Administrative Law and Administrative Courts in the United Kingdom: na overview”, Association of European Administrative Judges, Outubro 2010

     Raposo, João - “Revisitando a tramitação da acção administrativa especial” in Temas e Problemas de Processo Administrativo, coordenação de Vasco Pereira da Silva, Instituto de Ciência Jurídico-Políticas, Lisboa 2011            


sábado, 29 de setembro de 2012

Reserva Constitucional Absoluta da Jurisdição Administrativa?

Dispõe o artigo 212º/3 da Constituição da República Portuguesa o seguinte:


Artigo 212º
Tribunais administrativos e fiscais

1. (...)

2. (...)

3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.


Levanta-se o problema, não claramente resolvido por uma interpretação literal deste preceito, de determinar qual o alcance da reserva aqui consagrada: estão os tribunais administrativos e fiscais limitados a apreciar questões de direito administrativo? Por outro lado, são apenas esses tribunais os competentes para julgar tais questões?

O Tribunal Constitucional foi, por diversas vezes, chamado a resolver este dilema, quer em casos de normas atribuidoras de competência para decidir de questões extra-administrativas ou fiscais a tribunais da categoria referida, como na hipótese espelhada de normas conferidoras de competência para julgar questões administrativas e fiscais aos tribunais judiciais. Uma lista, embora não exaustiva, de acórdãos em que o assunto foi debatido encontra-se no ponto 9. do acórdão nº 211/2007 do Tribunal Constitucional (acórdão que usei como base para escrever este post).

Parafraseando o acórdão mencionado, o artigo 212º/3 (que, aquando da sua introdução em 1989, era o artigo 214º/3), ao definir o âmbito material da jurisdição administrativa, não pretendeu estabelecer uma reserva absoluta de competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, quer no sentido de limitar tais litígios à esfera dos tribunais administrativos e fiscais, quer no sentido de limitar a competência destes tribunais à apreciação desses litígios. 

Desde que haja uma fundamentação material e que não se descaracterize o "núcleo essencial" de cada jurisdição, são admissíveis desvios pontuais à regra geral criada pela norma da Constituição. O acórdão refere, como exemplos, a possibilidade de se remeter para os tribunais judiciais a apreciação das decisões das autoridades administrativas em matéria de contra-ordenações, os litígios relativos à indemnização por expropriação e o contencioso de actos de registo e notariais. O Tribunal justifica a generalidade presente na norma tendo em atenção o contexto em que surgiu, com a alteração da lei constitucional de '89 "que consagrou a ordem jurisdicional administrativa como de existência necessária e não meramente facultativa".

Em suma, pode concluir-se que a norma constante do artigo 212º/3 não deve ser interpretada literalmente, mas antes como um preceito que estabelece uma competência típica e genérica dos tribunais administrativos e fiscais, através de uma claúsula geral que não pretende estabelecer uma rígida reserva material exclusiva ou excludente (note-se que não se diz que são apenas os tribunais administrativos e fiscais os competentes para julgaremos litígios mencionados). 

Neste sentido, os tribunais administrativos e fiscais poderão ser chamados a decidir conflitos fora do âmbito genérico determinado, tal como poderão os tribunais judiciais ser competentes para resolver questões de Direito Administrativo (respeitados os requisitos mencionados).

Caso não tenha ficado claro ou queiram saber mais, é boa ideia lerem o acórdão referido (essencialmente o ponto 9., em que se aborda este assunto), ou explorarem algum dos outros acórdãos listados nesse.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Breve apresentação do Tribunal Administrativo do Reino Unido


O trabalho do tribunal administrativo é variável, consiste em jurisdição do Direito administrativo da Inglaterra e a supervisão da jurisdição dos outros tribunais inferiores.

A supervisão de jurisdição é exercida principalmente através de processo de Revisão Judicial, abrangendo as pessoas e entidades que exercem a função do Direito público que ficam numa área ampla e ainda está a acrescer.

Exemplos de tipos de decisão que podem ser envolvidos na Revisão judicial são:
-Decisão de autoridade local no exercício dos seus deveres com o fim de conceder benefícios e educação especial para as crianças que a necessitam.
-Certa decisão de autoridade de imigração.
-Decisão de órgão regulador.
-Decisão relativa a direitos de prisioneiro

O caso é julgado por tribunal singular ou tribunal colectivo consoante a previsão legal. A apresentação de argumentos de queixa pode ser mandada por email para gabineta de tribunal administrativo de Londres.
Queridos estudantes

Estudar Contencioso Administrativo exige inteligência e muito trabalho, mas é também uma tarefa apaixonante e atrativa, sobretudo se o processo de aprendizagem associar o uso de novas tecnologias. O objetivo deste blog, realizado pelos estudantes de 2012/ 2013, é o de colocar as novas tecnologias ao serviço do ensino do Processo Administrativo.
Vamos todos "surfar" na "nova onda" do Processo Administrativo.
Bom trabalho!

Vasco Pereira da Silva