No
sistema anglo-saxónico a apreciação do exercício do poder administrativo pelo
Administrative Court é feito através da judicial
review. No sistema português esta apreciação, pelos Tribunais
Administrativos, é feita através de dois tipos de processos administrativos, a
acção administrativa comum e a acção administrativa especial.
A acção administrativa comum é o processo
administrativo que admite a dedução genérica de pedidos de condenação, de mera
apreciação e constitutivos, sempre que não tenha sido emitido nem se pretenda a
emissão de um acto administrativo ou de uma norma. Não necessita de uma tramitação
específica.
A acção administrativa especial é o
processo administrativo que se reporta à contestação da prática ou omissão de
actos administrativos ou de normas. Tem uma forma processual específica
regulada no Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Neste
pequeno texto pretendo apresentar resumidamente as fases dos processos
administrativos em ambos os sistemas, a judicial
review do sistema anglo-saxónico, e a acção
administrativa especial no sistema português, pois é esta a acção mais
importante no âmbito do Contencioso Administrativo. No final será apresentada uma
breve comparação dos dois sistemas.
Fases da judicial review:
1. application for judicial review;
2. judicial review application;
3. submition of the arguments;
4. hearing.
Cada application para judicial review deve ser apresentada na prazo de 3 meses a contar
da data em que é possível essa apresentação. Mas ainda, antes do pedido para judicial review, o particular deve
apresentar um pre-action protocol, que
se destina a chamar a atenção da autoridade pública responsável pela
contestação do particular e a permitir a oportunidade de uma resolução consensual,
sem que seja necessário recurso para os procedimentos judiciais.
Para que
possa haver uma judicial review é
necessária a apresentação de uma application
com base na qual o juiz vai decidir se a questão levada é de mérito jurídico.
Nesta application o recorrente deve
persuadir o Court de que o caso apresentado tem mérito jurídico. Se o Court
decidir que o caso não tem suficientemente interesse a application será recusada e não se dará a judicial review. Mas se o Court reconhecer o mérito da causa, então
dará permissão ao particular para recorrer à judicial review.
Concedida
a permissão o recorrente apresentará uma judicial
review application, que deve conter: (i) informação sobre o recorrente, (ii)
a entidade pública, Departamento Governamental ou Ministro que é demandado,
(iii) o acto ou decisão que o recorrente está a contestar, (iv) a fundamentação
da contestação do recorrente, (v) a solução proposta pelo recorrente. A esta application o recorrente deve juntar um affidavit,
onde fará a completa e verdadeira descrição de todos os factos, matérias e
circunstâncias relevantes para o caso, juntando os documentos materiais. Por
outro lado a entidade demandada deverá apresentar um ou mais affidavits com todos os documentos
relevantes para o julgamento do caso.
Ainda
antes do hearing os representantes
legais das partes devem submeter as suas contestações por escrito. No hearing as partes irão fundamentar estas
suas contestações e deverão responder às questões levantadas pelo Court. A
duração do hearing depende do volume
e da complexidade do caso. Na sua conclusão o juiz apresenta a sua decisão. A
decisão escrita é normalmente apresentada no prazo de 3 meses, reservando-se ao
juiz a possibildade de proceder a novo hearing
para consideração de novos factos. A parte vencida tem o direito de recorrer ao
Court of Appeal.
Fases da acção
administrativa especial:
1. fase dos articulados
2. saneamento
3. instrução
4. discussão
5. julgamento
O
processo administrativo inicia-se, na fase dos articulados, com uma petição
inicial do recorrente. Esta petição deve, de acordo com o art.467º do CPC: (i)
designar o tribunal onde a acção é proposta e identificar as partes; (ii)
indicar o domicílio profissional do mandatário judicial; (iv) indicar a forma
do processo; (v) apresentar os factos e a fundamentação da acção; (vi) formular
o pedido, (vii) declarar o valor da causa. Esta petição pode ser recusada pela
secretaria nos casos previstos no art.80º nº1 do CPTA.
Depois
de recebida a petição inicial, a secretaria deve citar a entidade demandada e os
contra-interessados, se existirem, para contestarem, segundo o art.81º nº1 do
CPTA. Estas figuras terão um prazo de 30 dias para contestar a acção; se o
fizerem, deverão apresentar na contestação toda a matéria relativa à defesa,
juntamente com os documentos necessários para demonstração dos factos que se
propõem provar.
A
petição e a contestação, se existir, deverão ser remetidas para o tribunal pela
Administração, de acordo com o art.8º nº3 do CPTA.
Em
certos casos as partes poderão apresentar articulados supervenientes.
O
Ministério Público poderá intervir no prazo de 10 dias para modificação de
alguma questão que considere relevante, tendo alguns poderes específicos.
Tendo
sido o processo remetido ao juiz este proferirá despacho saneador em três
situações, secundo o art.87º nº1 do CPTA: (i) quando lhe cumpra conhecer
questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo; (ii) quando conheça
do mérito da causa ou de alguma excepção peremptória; (iii) quando determine a
abertura de um período de produção de prova.
Se
o juiz decidir que o processo deverá prosseguir mas que a matéria de facto se
mostra controvertida, deverá abrir uma fase de instrução, fixando no despacho
saneador um período de produção de prova. A instrução consiste num único
momento processual, independentemente dos pedidos formulados pelo autor; em casos
especiais a instrução pode ter lugar faseadamente.
Nos
casos em que não haverá um julgamento, poderá haver uma audiência pública. Esta
audiência pode ser determinada pelo juiz ou relator ou pode ser requerida por
qualquer uma das partes.
Havendo
julgamento o processo é levado ao juiz ou relator. O juiz deverá tomar uma
decisão fundamentada e decidir de todas as questões que as partes tenham
submetido à sua apreciação.
Apresentados
os dois processos há que fazer uma breve reflexão.
No
sistema inglês antes de se iniciar a judicial
review há primeiro uma tentativa de conciliação sem recurso aos meios
judiciais, e ainda que esta não se consiga, é necessário um primeiro pedido
para que se possa recorrer à judicial
review, o que significa que só os casos de mérito serão apresentados no
tribunal. Por outro lado no sistema português estas fases não existem, mas o
processo não será directamente apresentado ao tribunal mas sim à administração.
O
conteúdo da petição em cada um dos sistemas é muito similar; mas enquanto no
sistema inglês o mérito da application
é decidido anteriormente, o que significa que assim que é apresentada a petição
o caso segue para o juiz, no sistema português só posteriormente o juiz
decidirá do mérito da causa, podendo proferir um despacho saneador. No sistema
inglês a entidade demandada terá sempre de apresentar um affidavit, enquanto no sistema português a entidade demandada só se
quiser é que apresentará uma contestação.
No
sistema português poderá haver uma audiência pública não sendo necessário o
recurso ao julgamento, audiência esta que não existe no sistema inglês.
Após
o julgamento os juízes deverão apresentar a sua decisão sobre a matéria de
facto.
Penso
serem estas as principais diferenças nos processos dos dois sistemas.
Bibliografia
Consultada
Freitas do Amaral, Diogo/ Aroso de Almeida, Mário - “Grandes
Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra 2004
McCloskey, Justice Bernard
- “Administrative Law and Administrative Courts in the United Kingdom: na overview”,
Association of European Administrative Judges, Outubro 2010
Raposo, João - “Revisitando
a tramitação da acção administrativa especial” in Temas e Problemas de Processo Administrativo, coordenação de Vasco
Pereira da Silva, Instituto de Ciência Jurídico-Políticas, Lisboa 2011