quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Da Legitimidade Activa no Processo Administrativo


Na sequência do que dissemos na passada aula de terça-feira 16/10, proponho uma análise do artigo 9° do Código de Processo Administrativo e suas implicações. 



I - Breve Contextualização:





O artigo 9° do CPTA é produto de uma certa alteração de perspectiva relativamente à posição das partes no processo administrativo. 

Com efeito, de acordo com a concepção clássica do Direito Administrativo, em que o contencioso era de índole objectiva - assumindo o acto administrativo a posição central - o particular não seria senão um mero objecto do poder soberano, que, em juízo, não defendia os seu interesses - lesados por qualquer actuação administrativa - mas se limitava a defender o interesse público e a ordem legal. Seria, nas palavras de MAURICE HAURIOU, a posição de um “ministério público, efectuando a repressão de uma infracção”. À medida a que o sistema francês diluía a tradicional promiscuidade entre a Administração e a Justiça que justificava esta negação da qualidade de parte, quer aos particulares quer às autoridades públicas, também assim se ia alterando o paradigma. Entre nós, só com a Constituição de 1976 e, mais tarde, a reforma de 1984-85 (que equiparou as intervenções dos particulares e das autoridades públicas enquanto partes) se passou de um sistema de contencioso de tipo objectivo, para um sistema de lógica subjectivista.  

A orientação tradicional de um contencioso objectivista dava à figura da legitimidade uma importância desmedida: como o recurso de anulação era sobretudo um recurso de verificação da legalidade, o acesso ao juiz não dependia da afirmação de um direito subjectivo do lesado, mas bastava-se com um interesse de facto do particular semelhante ao da administração. A legitimidade era o critério determinante no acesso ao juiz. O regime adoptado no Código de Processo Administrativo utiliza um critério substancialmente diferente, a saber, o da atribuição de legitimidade em razão da posição jurídica dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres recíprocos. 



II - Regra Geral da Legitimidade Activa:





Dispõe o art. 9°, n° 1 CPTA que “sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40° e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste Código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material.” A previsão, talvez demasiado lacónica, de que tem legitimidade activa quem alegue ser parte na relação controvertida melhor se explica se se tiver em conta que tal alegação é sujeita a prova em juízo e constitui objecto e thema decidendo da acção. Basta, como salienta o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA que essa alegação seja plausível. À luz do art. 9º/1, fruto deste novo paradigma, o autor, é, portanto, parte legítima em razão dos direitos subjectivos de que é titular na relação administrativa. 




Além do autor têm também legitimidade activa, nos termos do n°2 do art. 9° o actor público e o actor popular. Na verdade, embora o contencioso administrativo em Portugal tenha uma orientação malcriadamente subjectiva, de protecção dos direitos dos particulares, desempenha também uma função objectiva e tutela do interesse público e da legalidade, a qual, entre nós é realizada pela intervenção do actor público e do actor popular. 


III- Regras Especiais de Legitimidade Activa:






Além da regra geral do artigo 9°, e talvez porque este seja um ponto que preocupa especialmente o legislador, o Código prevê diversas outras regras especiais que tratam exclusivamente deste pressuposto processual, que me proponho a analisar um traços muito latos. 

Desde logo o art. 40°, para que remete o art. 9°/1, que regula a legitimidade em acções referentes a contratos. O seu n° 1 diz respeito às acções em que se discute a validade dos contratos e o n° 2 às acções em que está em causa a sua execução. Embora a legitimidade seja menos ampla no n°2, pode afirmar-se que tem legitimidade as partes contratuais, quem defenda o interesse público, que detenha direitos provenientes do contrato ou quem seja prejudicado pelo contrato ou que o tenha sido no procedimento de formação do contrato. 

Outra regra especial é ainda a do art. 55° CPTA que rege nas acções de impugnação de actos administrativos. Terá legitimidade o particular que alegue ter um interesse directo e pessoal, correspondente à lesão provocada pelo acto em causa.. Além do particular têm também legitimidade a pessoas colectivas públicas e privadas, a órgãos administrativos e aos seus Presidentes (quando o órgão for colegial), bem como ao Ministério Público e ao actor popular. No que respeita à legitimidade activa do particular, diria que o critério utilizado pelo preceito parece ser mais estreito e delimitado que o da regra geral do artigo 9/1º.





Finalmente, no que concerne às acções de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, o legislador previu ainda a regra especial do art. 68°/1. Diria, no entanto que o que aí se dispõe, não mais é do que uma concretização do disposto na regra geral do art. 9°, porquanto, ao contrário do que acontece no art. 55°, o critério utilizado não apresenta grandes desvios: basta que o particular alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido. 






Inês Magalhães Correia
140109003





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SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Almedina, 2ª Edição, 2009 - Sujeitos (de um “processo de partes”).  

AMARAL, Diogo Freitas do / ALMEIDA, Mário Aroso de - Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, 2004. - Princípio da Igualdade das Partes.

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