quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Resolução do Caso Prático IV - Impugnação de Atos Administrativos


a)   O autor (Dr. Anacleto) pretende, por um lado, que o tribunal administrativo declare a invalidade da deliberação camarária de instalação do aterro sanitário perto da sua quinta e, por outro, que os prejuízos que entretanto lhe foram causados, por aquela decisão administrativa, lhe sejam devidamente indemnizados.

Ora segundo o artigo 47º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), para que possa haver cumulação de pedidos é necessário que haja entre os dois pedidos uma “relação material de conexão”, sendo esta definida nos termos do art.º 4º do CPTA. No caso vertente essa “relação material de conexão”, exigida pelo art.º 47º e definida no art.º 4º, existe e é facilmente demonstrável. Senão vejamos: o autor pede a anulação de um ato administrativo (art.º 46º nº2, a) do CPTA), e este pedido principal, pelo disposto no art.º 47º nº1, pode ser cumulado com outro pedido, nomeadamente com o pedido de reparação dos danos resultantes da atuação administrativa ilegal (como aliás refere o art.º 47º nº1, parte final).

Mas será que existe uma “relação material de conexão” entre estes dois pedidos?
Com efeito, essa relação existe porque, de acordo com os critérios do art.º 4º nº1, a), se a causa de pedir for a mesma e única pode haver cumulação de pedidos (no caso, é evidente que a causa de pedir é só uma – se não fosse aquela atuação administrativa ilegal, não haveria ato administrativo a impugnar nem danos a ressarcir). Esta constatação é ainda reforçada pela alínea a) do nº2 deste artigo, em que se diz que “é (…) possível cumular (…) o pedido de anulação (…) de um ato administrativo com o pedido de condenação da Administração ao restabelecimento da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado”.
Considerando todos estes elementos, é imperativo concluir que pode haver cumulação de pedidos.


b)   Quanto à situação descrita na alínea a) desta hipótese b), o prazo de impugnação de três meses, previsto no art.º 58º nº2, b) do CPTA, só começa a correr a partir do momento em que houver notificação do Dr. Anacleto, mesmo que haja publicação obrigatória, conforme o art.º 59º nº1 do CPTA. Se assim é para os casos em que há obrigatoriedade de publicação, para os casos em que essa obrigatoriedade não existe (e vamos presumir que, neste caso prático, não há essa obrigatoriedade pois se existisse ser-nos-ia facultado esse dado, visto que, conforme o art.º 130º nº1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), ou está estabelecida na lei a obrigatoriedade de publicidade ou, não estando, essa obrigatoriedade não existe), o prazo só começa a correr ou com a notificação do interessado ou com a publicação ou com o conhecimento do ato pelo interessado (art.º 59º nº3).

Ora o Dr. Anacleto foi editalmente notificado em 10/06/2008, mas só regressou a Portugal em 10/09/2008, tendo já caducado o prazo para impugnar a deliberação camarária. Não obstante, ele ainda pode impugnar a deliberação administrativa, à luz do art.º 58º nº4, c) do CPTA, uma vez que já um “justo impedimento” (ele encontrava-se doente no estrangeiro).

Já quanto à situação descrita na alínea b) desta hipótese b), o que está em causa é saber, tal como na situação anterior, qual é o prazo para impugnar. Segundo o art.º 59º nº3, c) do CPTA, se a deliberação não foi notificada nem publicada (não foi publicada porque a lei não o impunha – art.º 130º nº1 do CPA), o prazo de impugnação, neste caso, só começa a correr a partir do conhecimento da deliberação pelo Dr. Anacleto. Assim, o prazo de três meses, previsto no art.º 58º nº2, b), só começa a correr a partir do momento em que o Dr. Anacleto tenha conhecimento da deliberação, por isso ele ainda pode impugnar a deliberação administrativa.
    

c)    O autor tem legitimidade para propor esta ação administrativa especial de anulação de uma deliberação administrativa. Esta afirmação resulta da conjugação dos arts.º 9º nº1 e 55º nº1, a) do CPTA, em que se diz que “o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida” (art.º 9º nº1), é parte na relação material controvertida aquele que “alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (art.º 55º nº1, a)).

De acordo com o critério do art.º 55º nº1, a) do CPTA, critério da lesão de direitos subjetivos, o Dr. Anacleto é parte legítima porque ele é o principal afetado com aquela decisão administrativa (o aterro será construído mesmo ao lado da sua residência) e porque ele é titular de direitos subjetivos que foram lesados com aquela atuação da Administração (como por exemplo: o direito a um ordenamento do território que tenha em conta quer os interesses públicos quer os interesses dos particulares – art.º 65º da Constituição da República Portuguesa (CRP); o direito a um ambiente sadio – art.º 66 nº 1 da CRP; ou mesmo o direito à saúde – art.º 64º nº 1 da CRP).
Em suma, o Dr. Anacleto é parte legítima quer quanto ao pedido de anulação quer quanto ao pedido de indemnização.


d)   O art.º 56º nº1 do CPTA estabelece que “não pode impugnar um ato administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”, e no nº2 deste artigo o legislador definiu o que se deve entender por aceitação tácita (“aceitação tácita [é a que] deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”).

Resta, portanto, analisar se o Dr. Anacleto, quando adquiriu a outra propriedade, esta contígua ao aterro, sabendo já que ele se iria localizar naquele terreno, aceitou, ainda que tacitamente, o ato administrativo que agora pretende impugnar.

Parece-me que a aquisição de uma nova propriedade contígua ao aterro constitui uma aceitação tácita daquele ato administrativo, porque se o Dr. Anacleto não concordasse com aquele ato administrativo iria, à partida, procurar impugná-lo pelas vias que estivessem ao seu dispor.

Se ele tivesse a certeza de que o ato seria impugnado – por, por exemplo, o processo já estar a decorrer num tribunal e ser quase certo que esse tribunal lhe iria dar razão –, então aí o facto de ele adquirir uma segunda propriedade contígua ao aterro não constituiria, no meu entender, venire contra factum próprio. Isto porque, a aquisição da segunda propriedade não pode ser considerada, nesta hipótese que agora proponho, uma aceitação tácita do ato administrativo, mas sim a mera prossecução de interesses privados pelo particular (o Dr. Anacleto pode ter, de facto, ponderosas razões pessoais para adquirir aquele imóvel específico, e como já sabe que o ato administrativo vai ser efetivamente impugnado, opta por adquirir logo o imóvel – quem sabe se por razões financeiras: se comprar daí a uns meses fica muito mais caro, por exemplo).

Coisa diferente sucede no caso que temos de resolver. O Dr. Anacleto opta por adquirir o segundo imóvel sem ter a certeza de conseguir (e sem sequer ter avançado com um processo para) impugnar a deliberação camarária. Ou seja, o único dado que ele tinha, quando realizou aquela aquisição, era que naquela zona se iria situar um aterro sanitário. Se ele, mesmo sabendo disso, e sem ter reagido contra essa decisão, optou por comprar um imóvel naquela região é porque não constituía especial prejuízo para ele, viver ao lado de um aterro (aceitação tácita do ato administrativo), donde vir depois pedir a impugnação judicial da referida deliberação, traduz uma situação de venire contra factum próprio, que não é admissível de acordo com as regras da boa-fé.
Assim, concluo dando razão ao Presidente da Câmara Municipal da Póvoa do Lanhoso, pois o Dr. Anacleto aceitou o ato administrativo que agora pretende impugnar.


e)   A cumulação de pedidos é simplesmente uma opção que é concedida ao autor, no sentido de permitir a concentração, numa só ação, de duas ou mais pretensões do autor, reduzindo os inconvenientes de ter de propor tantas ações quantos pedidos. Se a ação de impugnação não mais puder ser proposta (por caducidade do direito de impugnação do ato administrativo), nada impede o autor de propor uma ação que vise a ressarcibilidade dos danos sofridos com aquela decisão administrativa.

No art.º 2º nº2 f) do CPTA prevê-se a possibilidade de a Administração ser condenada à reintegração natural de danos e ao pagamento de indemnizações; assim, desde que o Dr. Anacleto prove que sofreu danos com aquela decisão administrativa, como ele é parte na relação material controvertida (art.º 9º nº1 do CPTA), será indemnizado por todos os danos sofridos.


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