quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Acórdão - Processo n.º 123921/12 Estamos nas Lonas, SA vs. Ministério da Defesa

Acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa
Processo:
123921/12
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Secção:
CA- 2º JUÍZO
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Data do Acordão:
11/12/2012
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Relatores:
ANA LUÍSA BERNARDINO
BRUNA COELHO
GONÇALO CARDOSO
INÊS ALPANDE LOUREIRO
RAQUEL CARLOS
REINALDO TEIXEIRA
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Descritores:
ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
ACTO DESTACÁVEL
CONTRATO PÚBLICO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS


1
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Decisão Texto Integral:
I.- RELATÓRIO:
    Autora (A.): empresa ESTAMOS-NAS-LONAS, S.A.
    Réu (R.): Ministério da Defesa

O R. decidiu pôr termo ao contrato de fornecimento de 260 viaturas militares blindadas “Pãoduro” com a A., com o argumento de que, até agora, apenas tinham sido fornecidos 160 veículos, os quais, ainda por cima, nunca foram entregues dentro dos prazos contratualmente estabelecidos.
A A. não se conformou com a decisão, até porque alega estar agora em condições de fornecer mais 20 veículos, e pretende contestá-la judicialmente. Assim, vem alegar a violação do princípio da boa-fé por parte do R., ao mesmo tempo que alerta para a “grave situação económica que resultaria para os trabalhadores da empresa” em resultado da decisão administrativa.
Por seu lado, o R. não apenas invoca a seu favor o “combate ao desperdício e às gorduras” da Administração, como pretende também obter uma indemnização pelos prejuízos causados por “um continuado cumprimento deficiente do contrato” pela A..

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos provados
- Dão se como provados os factos enunciados nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º e 12º da Petição Inicial da A., sendo que o facto enunciado no artigo 5º ficou parcialmente provado.
- Dão se como provados os factos enunciados nos artigos 6º, 7º e 22º da Contestação do R., tendo o tribunal concluído pela irrelevância dos factos enunciados nos artigos 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º e 23º.
Assim, resulta de tudo provado que
1. A ESTAMOS-NAS-LONAS (autora, A.) celebrou com o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL (réu, R.), a 1 de Dezembro de 2011, em Lisboa, um contrato de fornecimento de 260 viaturas, pelo montante de €50.000 por veículo, no total de €13.000.000, com o objectivo de renovação da respectiva frota.
2. Foi acordado que o contrato seria cumprido em treze prestações, vencendo-se a primeira a 1 de Janeiro de 2012, e as seguintes no primeiro dia de cada mês.
3. Foi igualmente acordado que a A entregaria a frota de 260 viaturas em treze prestações de vinte unidades, devendo entregar cada prestação de vinte viaturas até à data do vencimento das prestações pecuniárias respectivas.
4. R incumpriu desde logo a primeira prestação (1 de Janeiro de 2012), vindo assim a pôr em causa a viabilidade económico-financeira de A, visto tratar-se de uma prestação de valor avultado (€1.000.000,00), que A. contava para fazer pagamentos a fornecedores, de modo a cumprir pontualmente as prestações de entrega dos veículos a R.
5. Apesar do não cumprimento da primeira prestação por R., a A., com grande esforço económico, continuou a cumprir as prestações, ainda que com atrasos, causados pela inviabilidade económica gerada em cadeia pelo incumprimento de R (falta de pagamento da primeira prestação por R. impossibilitou que A. pagasse aos fornecedores atempadamente que, por sua vez, entregaram as viaturas tardiamente, fazendo com que a própria A cumprisse as prestações subsequentes a R. também tardiamente).
6. A continuou a cumprir, embora com atrasos, porque confiou na manutenção do contrato e na boa fé e no cumprimento, ainda que tardio, de R.
7. A 1 de Agosto de 2012, no limiar das suas forças económicas, A não foi capaz de cumprir com a oitava prestação.
8. A 10 de Agosto de 2012, R. veio interpelar A. para cumprir a prestação em falta no prazo de 15 dias.
9. Apesar do incumprimento da prestação de entrega que se venceu a 1 de Agosto de 2012, e de haver ainda uma prestação pecuniária em falta de R, a A veio a 28 de Agosto de 2012 oferecer-se para cumprir a prestação em falta.
10. A 1 de Setembro de 2012, R vem resolver o contrato, invocando o incumprimento da oitava prestação.
11. Finda a fase negocial com A, R comprometeu-se com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) a participar numa missão de paz à República do Cazacazacazaquistão, no âmbito da NATO - da qual o Estado Português é membro-fundador - naquele país, denominada "Operação Vamos-Mostrar-Ao-Herman-Cain-Onde-É-O-Cazacazacazaquistão.
12. Porém, o fim do contrato celebrado entre o R e a A era unicamente o de renovação da frota de viaturas militares, não tendo sido celebrado tendo em vista a missão da NATO supra referida.
*
Factos não provados
- Não ficou provado o facto enunciado no artigo 13º da Petição Inicial da A.
- Não ficaram provados os factos enunciados nos artigos 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º, tendo o tribunal concluído pela irrelevância dos factos enunciados nos artigos 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º e 23º.

III - FUNDAMENTOS DE DIREITO:
São duas as questões a resolver:
a) saber qual o meio processual adequado (acção administrativa comum ou acção administrativa especial);
b) saber se a resolução do contrato pelo R foi lícita.

Vejamos então.

1) Da escolha do meio processual
            O meio processual escolhido pelas partes controvertidas foi o da acção administrativa especial, cabe assim a este tribunal avaliar esta mesma escolha.
             O campo de aplicação de cada forma de processo é estabelecido pela lei por referência  aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos em juízo. O Código do Processo nos Tribunais Administrativos estabelece entre a forma da acção administrativa comum e a acção administrativa especial assente no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício dos poderes de autoridade por parte da administração.




            Neste sentido, diz-nos o art. 46.° do CPTA que seguem a forma de acção especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela administração – actos administrativos ou normas regulamentares – bem como os processos dirigidos  à condenação da Administração e emissão desses actos de autoridade – actos administrativos ou normas regulamentares. Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma de acção administrativa comum, art. 37º do CPTA.
            A propósito da delimitação entre formas de processo refere, Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, a pp. 78, que "em termos genéricos, que a nova contraposição que o CPTA estabelece entre as formas da acção administrativa comum e da acção administrativa especial assenta no critério de saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da Administração. (…) Com efeito, determina o art.º 46.º que seguem a forma da acção especial os processos impugnatórios dirigidos à remoção de actos de autoridade praticados pela Administração (actos administrativos ou normas regulamentares) bem como os processos dirigidos à condenação da Administração e emissão desses actos de autoridade (actos administrativos ou normas regulamentares). Nos restantes casos, ou seja, sempre que nele não sejam deduzidos estes tipos específicos de pretensões, o processo deve ser tramitado segundo a forma de acção administrativa comum, art.º 37º.”
            A escolha errada da acção obsta ao conhecimento do mérito da causa, constitui excepção dilatória que conduz a absolvição do réu na Instância segundo o disposto no art.º 287.º al. e) do CPC, aplicável na medida em que se aplica a matéria do Código de Processo Civil subsidiariamente.
            De notar, porém, que como nos diz Mário Aroso de Almeida, “quando com o pedido que deva seguir a forma de acção administrativa comum forem cumulados outro ou outros a que corresponda a forma de acção administrativa especial, deverá adaptar-se, com as adaptações necessárias, a tramitação da acção administrativa especial (art.º 5.º do CPTA).” Em conjugação com este entendimento, José Carlos Vieira de Andrade afirma que é então admissível a cumulação de quaisquer outros pedidos com o pedido principal de impugnação do acto administrativo segundo o disposto no artigo 47.°, n.° 1 do CPTA e no artigo 4.°, por remissão.

            Aliás como refere o Professor, a lei faz uma enumeração exemplificativa das principais cumulações admissíveis no seu artigo 47.°, n.°2 do CPTA. Deste modo, e por aplicação directa da norma estabelecida no artigo 47.°, n.° 2, al.) b do CPTA, podemos desde logo concluir pela cumulação válida dos pedidos por parte dos Autores.
            Resta-nos, contudo, analisar a matéria do “acto destacável”. A este propósito e seguindo aqui de perto a jurisprudência fixada pelo STA em Pleno no seu acórdão de 18/04/2002 (Proc. n.º 46.058 in: «www.dgsi.pt/jtsa») temos que, na verdade, “(…) basta atender àqueles casos em que o acto corresponda a decisão de um subprocedimento ou em que envolva a produção de efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos, no concernente a uma situação individual e concreta, caso em que o acto se tem por destacável, em qualquer dos casos estamos perante actos passíveis de recurso contencioso.
            Como exemplo de actos destacáveis podemos indicar os que impliquem decisão final lesiva relativamente a certa pessoa ou que comprometam irremediavelmente a decisão final num certo sentido.
            Nos cenários acabados de exemplificar os actos em causa não se revestem de uma função meramente adjectiva ou instrumental de preparação do acto final, não se justificando, por isso, fazer apelo ao “princípio da impugnação unitária”, que levaria a ter por recorrível apenas o acto final do procedimento, neste se repercutindo as hipotéticas ilegalidades dos actos preparatórios não destacáveis.
            Porém, tal princípio só se justifica, designadamente, quando o acto em questão se apresente como meramente dotado de uma função preliminar e instrumental pré-ordenada à produção do acto final do procedimento, esgotando-se nesta vocação finalística de preparação do acto final, sem envolver, de “per si” a definição (...) de uma situação jurídica num caso individual e concreto, não provocando efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares. (…).
Disto isto, importa fazer ainda referência ao Professor Vasco Pereira da Silva, in O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, pg. 507, que explica que "os litígios emergentes das relações administrativas de contratação tanto podem dar lugar à acção administrativa especial como à comum, já que:
- sempre que se verifique uma cumulação de pedidos relativos a um contrato com pedidos referentes a um acto administrativo – que tanto pode ser um acto de procedimento pré-contratual, como qualquer acto emitido no decurso da relação contratual (o antes denominado “acto destacável”) – ou a uma norma regulamentar, o meio adequado é a acção especial (art. 5.°, n.°1, do CPTA);”
            Deste modo, entende este Tribunal que o meio processual utilizado pelas partes controvertidas foi devidamente escolhido, sendo este a acção declarativa especial. Entende também, que o acto administrativo se trata de um acto destacável na medida em que este, emitido no decurso da relação contratual, produz efeitos jurídicos externos autonomamente.
            Com efeito, a forma de actuação administrativa que se traduziu na resolução injustificada do contrato (ver infra) configura um acto administrativo destacável, susceptível de, por si, só produzir de forma imediata os seus feitos jurídicos, e que se consubstancia num comportamento unilateral da Administração que não se pode considerar que corresponde ao exercício de poderes contratuais, não podendo, consequentemente, afirmar-se que a acção administrativa comum seria aqui a adequada.
            O acto administrativo em apreço é um acto ilegal, mais precisamente, o acto sofre de uma ilegalidade material, por violação de princípios basilares da actuação administrativa como são os princípios da boa fé, da confiança, da proporcionalidade e da justiça (cfr. arts. 266.º da nossa Lei Fundamental e arts. 6.º e 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo).
            Destarte, a acção administrativa especial para impugnação do acto administrativo foi devidamente intentada, respeitando o preceito da legitimidade activa estabelecido nos termos do art. 55.° do CPTA.


2) Da resolução do contrato

            Passando a citar a frase celebrizada por Carl Sagan: “uma alegação extraordinária carece de prova também ela extraordinária”. Nesta lógica não ficou o tribunal convencido de que tivesse havido um cumprimento defeituoso consubstanciado na entrega dos veículos cor-de-rosa com as características referidas, nomeadamente o disparar de bolas de sabão. Peca por inverosimilhança a alegação pela qual o A., uma empresa em dificuldades financeiras, cuja realidade este tribunal tem por demonstrada, faria um investimento significativo (e potencialmente ruinoso) de modo a atingir uma finalidade também ela pouco esclarecida, uma partida extravagante quiçá. Em suma, tem-se por não provado o cumprimento defeituoso feito nos termos alegados pelo R. e daí se retiram as devidas consequências: não haverá lugar a mora nem terá cabimento uma interpelação admonitória com a finalidade de a transformar em incumprimento definitivo.
            Apesar de não ter o R. fundado a sua resolução no cumprimento defeituoso, isso é claro para este tribunal, mas antes no incumprimento da oitava prestação, facto ao qual acrescem outros factos, como o surpreendente silêncio do A. em juízo relativamente à segunda interpelação admonitória do R., que transformaria a mora alegada pelo R. em incumprimento definitivo e permitiria a resolução do contrato de compra e venda nos termos em que procedeu o R., repetimos, apesar deste facto e daqueles que acrescem, este tribunal julga não ter existido na realidade uma situação de mora do A. relativamente à oitava prestação.
            Ora, este tribunal deu por provado, em consonância com o acordo das partes, que o R. faltou à primeira prestação, que tem o valor de €1.000.000,00 (retificado pelo A. a convite dos juízes) e que relativamente a esta incorreu em mora visto não haver qualquer motivo, o alegado cumprimento defeituoso incluído aqui, que justificasse esta falta, que aliás se mantém, no cumprimento da primeira prestação.
            Muitos foram os argumentos aduzidos, pelo A. e pelo R., para atacar e sustentar, respectivamente, a licitude da resolução. Vingou entre o colégio de juízes incumbidos da tarefa de conhecer do mérito da causa o entendimento de que a resolução do contrato celebrado entre o A. e o R. é ilegal e que, sendo assim, o contrato deve ser restabelecido.
            Como resulta do já afirmado, a falta da primeira prestação pelo R. precipitou o A. numa situação de dificuldade económica (indiciada até pelos sucessivos atrasos nas prestações seguintes) que viria a culminar, no entendimento deste tribunal, numa situação de impossibilidade temporária relativa à oitava prestação. Ora, esta impossibilidade temporária ficou a dever-se a facto imputável ao R., que faltou ao cumprimento da quantia substancial de €1.000.000,00 e com isso causou, como se demonstrou em juízo, dificuldades no pagamento a fornecedores essenciais às operações pelas quais deveriam ter sido produzidos os veículos de modo a serem entregues na data acordada para a oitava prestação. Este tribunal conclui que estamos perante uma impossibilidade temporária, e não definitiva, pelo facto de o A. ter posteriormente oferecido o cumprimento da oitava prestação, cumprimento este recusado liminarmente pelo R.; estando o A. em condições de cumprir posteriormente, a impossibilidade, concluir-se-á, será temporária.
            Em causa está a alínea a) do art. 297.º do Código dos Contratos Públicos, pelo qual “a execução das prestações que constituem o objecto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa” com fundamento na “impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios (…) necessários à respectiva execução”. É nesta alínea a) e não, como veremos, na alínea b), referente à excepção de não cumprimento, que se funda a resolução deste litígio. Ora, desta alínea resulta, aliás à semelhança do que sucederia se recorrêssemos ao regime civil (artigo 792º do Código Civil), que o A., cuja impossibilidade temporária é imputável ao R., não entra em mora após a data fixada para o cumprimento da oitava prestação.
            Como tal, a interpelação admonitória afigura-se desprovida de sentido pois nos casos de impossibilidade temporária imputável ao credor, como sucede aqui, o devedor não incorre em mora. Sendo assim, não poderia em nenhuma circunstância o R. ter transformado, por intermédio de interpelação admonitória, uma mora não existente (pelas razões avançadas) em incumprimento definitivo.
            Sendo assim, forçoso é a este tribunal concluir que a resolução do contrato de compra e venda pelo R. nos termos alegados é ilegal.
            Não deixou contudo de surpreender este tribunal a escassez do A. nos pedidos, deixando nítida a impressão nos juízes que aqui presidiram de não ter retirado todas as consequências dos factos por si alegados. Avulta dentre os exemplos assinaláveis ter o A. alegado uma recusa injustificada pelo R. da sua oitava prestação findo o estado de impossibilidade temporária em que se encontrava sem contudo pedir uma indemnização pela mora de credor, ou sequer se referir a ela nos termos mais rigorosos.
            Ainda relativamente aos pedidos do A. manifesta este tribunal a sua perplexidade perante o absurdo do pedido subsidiário aposto à petição inicial, visto que nela o A. pede uma indemnização por uma resolução lícita do contrato.
            Foi alegado em juízo pelo A., como fundamento legal para a não realização da oitava prestação, o exercício do direito emergente da excepção de não cumprimento tal como este vem previsto no Código Civil. Contudo, o regime relevante da exceptio aqui deve encontrar-se não no Código Civil mas no Código dos Contratos Públicos, onde se constata uma diferença essencial relativamente ao regime civil: sendo o A. a lançar mão da exceptio, “o exercício pelo co-contratante do direito de recusar o cumprimento da prestação depende de prévia notificação ao contraente público da intenção de exercício do direito” (n.º3, art.327 CCP). Daqui resulta claro que, na ausência da notificação exigida, não pode o exercício do direito emergente da exceptio ter sido lícito. A existência de um interesse público subjacente aos contratos em que o Estado ocupa a posição de parte explica a exigência adicional do legislador. Escusa-se o tribunal de discutir as questões interessantíssimas concernentes ao exercício da exceptio suscitadas por ambas as partes no decurso do processo visto que, não obstante o muito interesse académico e prático que as rodeia, se mostrarem insusceptíveis, quaisquer que sejam as suas respostas, de afastar a ilegalidade da alegada excepção de não cumprimento; escusa-se o tribunal de discutir questões inúteis para a resolução do litígio.
            Deste modo, entende este tribunal que a razão assiste ao A. no concernente à ilegalidade da resolução do contrato e manda, desde já, o restabelecimento do mesmo. O restabelecimento do contrato acarreta a possibilidade de o A. realizar a oitava prestação e de prosseguirem as partes com o cumprimento, que se exige cabal, das obrigações emergentes do contrato.
            Tendo o A. pedido o reconhecimento do seu direito ao recebimento da primeira prestação pecuniária (e não, note-se, a condenação do R. ao pagamento do mesmo), no valor de €1.000.000,00, vem este tribunal declarar a existência do direito do A. a essa prestação. Note-se ainda que o A. não pede a condenação do R. ao pagamento de juros de mora, estando este tribunal limitado pelo princípio do pedido.
            Daqui resulta, no tocante agora aos pedidos reconvencionais do R., que nem o pedido de indemnização por incumprimento do contrato nem o pedido de indemnização pelo aluguer de veículos pelo R. são atendíveis, visto faltar-lhes desde logo o pressuposto da ilicitude em razão de o A. se não encontrar em mora mas em situação de impossibilidade temporária imputável ao R.


IV – DECISÃO:

Face ao exposto, em conferência, os juízes do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acordam:
1 - Anular o acto administrativo de resolução do contrato celebrado entre o A. e o R. com base na sua ilegalidade pelos fundamentos acima expostos.

2 - Julgar procedente o pedido do A. de restabelecimento do contrato, podendo o A. prosseguir com o seu cumprimento.

3 - Declarar a existência do direito do A. à primeira prestação pecuniária devida pelo R. no valor de €1.000.000,00 (um milhão de euros) e, concomitantemente, condenar o R. no pagamento da mesma.

4 - Julgar improcedentes os pedidos formulados pelo R.

5 - Condenar o R. em custas.

*
11 de Dezembro de 2012
Ana Luísa Bernardino
Bruna Coelho
Gonçalo Cardoso
Inês Alpande Loureiro
Raquel Carlos
Reinaldo Teixeira



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