quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


Processos Urgentes – Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.10.2008, P. 0878/08

 

                A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um dos quatro tipos de processos urgentes consagrados no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Esta modalidade processual vem dar resposta a situações em que uma certa celeridade é necessária na obtenção da decisão de mérito. Trata-se, como se depreende do anteriormente dito, de um tipo de processo principal; daí a emissão de uma decisão de mérito. As situações abrangidas por este tipo processual aproximam-se e, muitas vezes, confundem-se com aquelas em que o meio adequado à prossecução do fim desejado é a instauração de uma acção principal, dita “normal”, associada a uma providência cautelar. A diferença está no facto de estas intimações apenas poderem ser utilizadas, precisamente, se no caso concreto não for possível ou suficiente para alcançar o objectivo pretendido o decretamento de uma providência cautelar. É este, aliás, um dos pressupostos exigidos pelo art. 109º, nº1 do CPTA. Quanto aos demais, que já foram enunciados de forma mais ou menos explícita, consistem na celeridade da decisão, decisão essa que deve impor à Administração uma conduta positiva ou negativa, e que seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia.

                Quanto à urgência, ela é relativa, tendo de ser apreciada levando em conta o caso concreto. Mas é também concreta, ao contrário do que acontece relativamente aos outros processos urgentes previsto no Código, em que a lei presume abstractamente a urgência, dentro dos respectivos limites. Em relação ao que se pode incluir (ou não) na categoria de direitos, liberdades e garantias, entende o Prof. Vasco Pereira da Silva que se deve abrangê-la a todos os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa.

                Têm legitimidade para este tipo de acções os titulares dos direitos, liberdades ou garantias em causa. Quanto ao conteúdo do pedido, consiste, como já foi referido, na condenação da Administração na adopção de uma conduta positiva ou negativa. Nos artigos 110º e 111º do CPTA, o legislador estabelece três tipos de tramitação processual para este tipo de intimações, organizando-os por complexidade e urgência. Optou-se pela seguinte divisão: processos simples e de urgência normal (art. 110º, nºs 1 e 2); processos complexos e de urgência normal (art. 110º, nº 3), e situações de especial urgência (art. 111º). Relativamente à execução das sentenças, aplicam-se as regras gerais de execução de sentenças condenatórias.

                No Acórdão do STA, de 30-10-2008, o autor, presidente da direcção de um clube de futebol, que recorre de uma decisão do TAF (Tribunais Administrativos e Fiscais) de Lisboa, propõe uma intimação deste tipo. Está em causa a transposição de transcrições de escutas telefónicas efectuadas no âmbito de processos-crime, em que o autor foi arguido, para um processo disciplinar, instaurado contra si, e todos com fundamento nos mesmos actos de corrupção desportiva. Os processos-crime precederam cronologicamente o processo disciplinar, mas os primeiros foram arquivados, enquanto que no segundo houve decisão punitiva, emitida LPFP (Liga Portuguesa de Futebol Profissional), da qual o autor desta acção recorreu para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. O que o autor vem pedir é que sejam desentranhadas imediatamente do processo disciplinar as referidas transcrições, invocando a violação dos seus direitos à palavra e à reserva da vida privada. Subsidiariamente, pede ainda que, se este pedido não proceder por considerar o tribunal considerar não ser a intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias o meio adequado ao caso, se faça a convolação do mesmo num pedido de providência cautelar.

                Para fundamentar o seu pedido principal, alegou o autor estarem reunidos os pressupostos do mesmo, e que já foram também acima referidos, em abstracto. Quanto à existência do direito a proteger, invoca A. os seus direitos à palavra e à reserva da vida privada. Estando em causa a transcrição de escutas telefónicas, entende-se facilmente a razão de ser de se invocarem estes dois direitos, já que estão em causa informações privadas e a sua possível divulgação. Quanto à necessidade da emissão célere de uma decisão de mérito, afirma o autor ser este um tal caso já que pretende que nenhum dos responsáveis pelo desenvolvimento do processo disciplinar entre em contacto com o conteúdo das escutas, e entende também não ser uma providência cautelar suficiente para assegurar o seu direito. Finalmente, condena-se a Federação Portuguesa de Futebol a desentranhar as transcrições do processo disciplinar, preenchendo assim o requisito de condenar a Administração a uma conduta positiva ou negativa (no caso, positiva).

                O STA concordou com esta posição, considerando que só através da intimação pedida o autor poderá alcançar a sua pretensão, e não através de uma providência cautelar. Não considerou assim o TAF de Lisboa. A sentença recorrida entendeu “que a lesão que decorreria da existência no processo disciplinar de um meio de prova alegadamente ilegal poderia ser reparada através de outros meios processuais que não o processo de intimação”. Afirmou ainda “que a situação ora em causa não se revestia de especial urgência já que essa urgência não poderia advir do facto do Conselho de Justiça (…) poder entender que as mencionadas escutas deviam ser admitidas e valoradas”. Apesar disto, também não concordou com a convolação do pedido numa providência cautelar por considerar a lesão como reversível, afirmando ainda ser a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido o meio adequado ao caso.

                Num interessante voto de vencido, o Juiz Conselheiro Madeira dos Santos defende, entre outros aspectos, que esta intimação consiste numa forma de levar o tribunal – poder jurisdicional – a interferir no exercício do Conselho de Justiça, que corresponde ao exercício do poder administrativo. Considera ainda ser exagerado e, consequentemente, desadequado, o recurso à intimação por considerar não estar em causa nenhum direito, liberdade ou garantia que o exija. Isto porque a preocupação do autor é a divulgação do conteúdo das escutas telefónicas, e não a sua forma de obtenção, porque nem o poderia ser, já que esta foi lícita. Mas ao fazer isto está a separar a dimensão da obtenção da dimensão da divulgação das escutas, o que este Juiz Conselheiro considera não ser correcto, entendendo reconduzirem-se ao mesmo. Assim sendo, e sendo as escutas lícitas, defende a falta de direito invocável, apesar de entender ser inadmissível ter em conta escutas telefónicas obtidas no âmbito de um processo-crime. Conclui afirmando que “confirmaria a sentença recorrida e negaria o pedido de intimação”.

                Da análise deste caso, consegue-se ver as dificuldades que este meio processual pode levantar. Estão em causa conceitos e realidades de, por vezes, difícil concretização e objectividade (urgência, direito fundamental…), o que torna a sua aplicação pouco fácil e linear. A sua delimitação, principalmente em relação às providências cautelares, é de extrema importância, visto a procedência de uma intimação ter como resultado uma decisão de mérito, ou seja, a resolução do litígio. Daí a relevância da análise exaustiva dos seus pressupostos e da sua verificação.

 

 Maria Teresa Peixoto Pinhão
nº 140108505


 

VIEIRA DE ALMEIDA, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 11º ediçaõ, 2011

Sem comentários:

Enviar um comentário