No “país do futebol” anda tudo em polvorosa. Imagine-se que o presidente do
clube “Vicente do Gil” pretende impugnar contenciosamente a decisão da “Liga-Caos
de Futebol – Cash and Carry”, que impediu o acesso do clube à 1ª Divisão do
Campeonato Nacional de Fubebol, na sequência de alegadas irregularidades quanto
ao estatuto de um dos seus
jogadores.
Indignados, os dirigentes da Liga-Caos, bem como os da Federação Nacional
de Futebol, alegam que os clubes de futebol se encontram impedidos de recorrer
aos tribunais para resolver litígios de “natureza desportiva”, invocando para
tanto legislação desportiva e os estatutos de uma sociedade anónima
futebolística multinacional – a F.I.F.A. Desta forma, Sargentão das Dúzias e
Gisberto Maravedil, presidentes da Liga e da Federação, respectivamente,
pretendem fazer com que o dito clube de futebol desista ou renuncie à
utilização de quaisquer meios processuais, ameaçando com sanções disciplinares
e indemnizações monetárias que decorreriam de uma alegada sanção da F.I.F.A.
incidente sobre “todo o futebol português”. Por seu lado, o dirigente do clube
“Vicente do Gil”, António Confiúzo, manifesta-se disposto a ir até “às últimas
consequências” na defesa das suas pretensões, nomeadamente recorrendo à
intervenção da justiça constitucional e europeia.
1. Suponha que é advogado e que lhe cabe defender a causa do clube “Vicente
do Gil”. Indique:
a. Quais as providências cautelares
que utilizaria para assegurar a defesa do seu cliente?
(Hipótese
extraída do livro “O Processo Administrativo em acção”, parte IV, referente às
provas de exame final)
Antes ainda de
responder à questão colocada, é imperativo averiguar se esta matéria cabe no
âmbito da jurisdição administrativa. Ora, se é verdade que a “Liga-Caos”, a
entidade que toma a decisão que se pretende impugnar, assim como a Federação
Nacional de Futebol (FNF), são entidades que tratam questões de natureza
desportiva, também não é menos verdade que essas mesmas questões podem extravasar
o âmbito estritamente desportivo na medida em que não se prendam exclusivamente
com a actividade desportiva propriamente dita. Ora, em meu entender, apesar de
estarmos aqui perante associações privadas, estas têm indiscutivelmente
utilidade pública pelo que se integram na esfera pública sendo, por conseguinte,
possível o controlo jurisdicional de certas decisões que tomem que não digam
respeito a questões estritamente desportivas ao abrigo da al. a) do nº1 do art.
4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Dito isto,
importa averiguar qual a providência cautelar que permite assegurar a defesa do
“Vicente do Gil”. Neste caso, parece-me que é imperativo que se faça uso de uma
providência cautelar conservatória, que permita justamente o acautelar imediato
dos interesses do clube. Assim sendo, ao abrigo da al. a) do nº 2 do art. 112º
do CPTA, parece-me a solução mais correcta a suspensão da eficácia da decisão
da “Liga-Caos” na medida em que esta permite que, enquanto o tribunal decide se
o requerimento é, ou não, deferido, a “Liga-Caos” fica impedida de executar a
sua decisão (cfr. nº 1 do art. 128 do CPTA). Desta forma, permitir-se-ia ao
clube a participação em jogos da 1ª divisão até ser tomada uma decisão pelo
tribunal.
Importa, de
seguida, analisar os requisitos quanto à procedência da Providência Cautelar.
Ora, o art. 120 do
CPTA, nomeadamente a al. b) do nº1, estabelece que, quando esteja em causa uma
providência conservatória, há 2 requisitos que têm de estar preenchidos. São
eles o periculum in mora e o fumus
boni iuris. Isto sem prejuízo,
obviamente, de o caso cair na al. a) do mesmo art. 120º do CPTA, se fosse
evidente a procedência da pretensão formulada pelo “Vicente de Gil”. No
entanto, como tal não é evidente importa analisar se os requisitos da al. b) do
nº 1 do art. 120º do CPTA se encontram, ou não, preenchidos. De seguida, terá ainda de se ter em atenção o disposto no nº 2 do referido art.
Assim, quanto ao fumus boni iuris importa
que seja provável – e já não evidente, caso que caberia na al. a) do art. 120ª
como acabámos de ver – que a decisão do clube seja procedente. Por outras
palavras, o critério é não ser “manifesta a falta de fundamento da pretensão
formulada”. Neste caso, parece estar preenchido este requisito na medida em que
o pedido do “Vicente de Gil” não é descabido. Antes se prende com um direito
que o clube tem de jogar na 1ª Divisão do Campeonato Nacional de Futebol que
está ser posto em causa devido a uma mera irregularidade no estatuto de um dos
seus jogadores. Quanto ao periculum in mora, diz a referida al. b) do
art. 120º no 1 do CPTA que este fica ferido quando uma de duas coisas aconteça:
ou, por um lado, houver um dano consumado ou, por outro, haja “a produção de
prejuízos de difícil reparação”. No caso em questão, parece-me certo que os
prejuízos que o clube sofrerá não são susceptíveis de reparação. Em rigor,
ainda que o tribunal venha a dar razão ao clube, na altura em que o processo
terminar, o “Vicente do Gil” já terá perdido vários jogos por falta de
comparência, devido à impossibilidade de jogar que resulta da decisão da “Liga-Caos”.
Por último, importa ainda, de acordo com o nº2 do art.120º do CPTA haver uma ponderação da proporcionalidade por parte do juiz. Este juízo afigura-se essencial para conceder, ou não, a providência cautelar na medida em que tal tem já a ver com o efeito útil da sentença prendendo-se com as consequências que decorrerão da mesma. Ora, importava assim saber se o prejuízo que o clube terá é proporcional à vantagem que a "Liga-Caos" recolherá. Parece manifestamente que há neste caso excesso por parte da "Liga-Caos" na medida em que esta medida pode ter consequências devastadoras para o "Vicente do Gil". Pode-se, por isso, concluir que a providência pode ser concedida de acordo com
o disposto na al. b) do nº1 e nº2 do art. 120º do CPTA.
Francisco Bessa de Carvalho (140109080)
Francisco Bessa de Carvalho (140109080)
Sem comentários:
Enviar um comentário