quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Resolução de hipótese prática relativa a providências cautelares


No “país do futebol” anda tudo em polvorosa. Imagine-se que o presidente do clube “Vicente do Gil” pretende impugnar contenciosamente a decisão da “Liga-Caos de Futebol – Cash and Carry”, que impediu o acesso do clube à 1ª Divisão do Campeonato Nacional de Fubebol, na sequência de alegadas irregularidades quanto ao estatuto de um dos seus jogadores.

Indignados, os dirigentes da Liga-Caos, bem como os da Federação Nacional de Futebol, alegam que os clubes de futebol se encontram impedidos de recorrer aos tribunais para resolver litígios de “natureza desportiva”, invocando para tanto legislação desportiva e os estatutos de uma sociedade anónima futebolística multinacional – a F.I.F.A. Desta forma, Sargentão das Dúzias e Gisberto Maravedil, presidentes da Liga e da Federação, respectivamente, pretendem fazer com que o dito clube de futebol desista ou renuncie à utilização de quaisquer meios processuais, ameaçando com sanções disciplinares e indemnizações monetárias que decorreriam de uma alegada sanção da F.I.F.A. incidente sobre “todo o futebol português”. Por seu lado, o dirigente do clube “Vicente do Gil”, António Confiúzo, manifesta-se disposto a ir até “às últimas consequências” na defesa das suas pretensões, nomeadamente recorrendo à intervenção da justiça constitucional e europeia.

1. Suponha que é advogado e que lhe cabe defender a causa do clube “Vicente do Gil”. Indique:

a. Quais as providências cautelares que utilizaria para assegurar a defesa do seu cliente?

(Hipótese extraída do livro “O Processo Administrativo em acção”, parte IV, referente às provas de exame final)

 

Antes ainda de responder à questão colocada, é imperativo averiguar se esta matéria cabe no âmbito da jurisdição administrativa. Ora, se é verdade que a “Liga-Caos”, a entidade que toma a decisão que se pretende impugnar, assim como a Federação Nacional de Futebol (FNF), são entidades que tratam questões de natureza desportiva, também não é menos verdade que essas mesmas questões podem extravasar o âmbito estritamente desportivo na medida em que não se prendam exclusivamente com a actividade desportiva propriamente dita. Ora, em meu entender, apesar de estarmos aqui perante associações privadas, estas têm indiscutivelmente utilidade pública pelo que se integram na esfera pública sendo, por conseguinte, possível o controlo jurisdicional de certas decisões que tomem que não digam respeito a questões estritamente desportivas ao abrigo da al. a) do nº1 do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Dito isto, importa averiguar qual a providência cautelar que permite assegurar a defesa do “Vicente do Gil”. Neste caso, parece-me que é imperativo que se faça uso de uma providência cautelar conservatória, que permita justamente o acautelar imediato dos interesses do clube. Assim sendo, ao abrigo da al. a) do nº 2 do art. 112º do CPTA, parece-me a solução mais correcta a suspensão da eficácia da decisão da “Liga-Caos” na medida em que esta permite que, enquanto o tribunal decide se o requerimento é, ou não, deferido, a “Liga-Caos” fica impedida de executar a sua decisão (cfr. nº 1 do art. 128 do CPTA). Desta forma, permitir-se-ia ao clube a participação em jogos da 1ª divisão até ser tomada uma decisão pelo tribunal.

Importa, de seguida, analisar os requisitos quanto à procedência da Providência Cautelar. Ora, o art. 120 do CPTA, nomeadamente a al. b) do nº1, estabelece que, quando esteja em causa uma providência conservatória, há 2 requisitos que têm de estar preenchidos. São eles o periculum in mora e o fumus boni iuris. Isto sem prejuízo, obviamente, de o caso cair na al. a) do mesmo art. 120º do CPTA, se fosse evidente a procedência da pretensão formulada pelo “Vicente de Gil”. No entanto, como tal não é evidente importa analisar se os requisitos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA se encontram, ou não, preenchidos. De seguida, terá ainda de se ter em atenção o disposto no nº 2 do referido art.

Assim, quanto ao fumus boni iuris importa que seja provável – e já não evidente, caso que caberia na al. a) do art. 120ª como acabámos de ver – que a decisão do clube seja procedente. Por outras palavras, o critério é não ser “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada”. Neste caso, parece estar preenchido este requisito na medida em que o pedido do “Vicente de Gil” não é descabido. Antes se prende com um direito que o clube tem de jogar na 1ª Divisão do Campeonato Nacional de Futebol que está ser posto em causa devido a uma mera irregularidade no estatuto de um dos seus jogadores. Quanto ao periculum in mora, diz a referida al. b) do art. 120º no 1 do CPTA que este fica ferido quando uma de duas coisas aconteça: ou, por um lado, houver um dano consumado ou, por outro, haja “a produção de prejuízos de difícil reparação”. No caso em questão, parece-me certo que os prejuízos que o clube sofrerá não são susceptíveis de reparação. Em rigor, ainda que o tribunal venha a dar razão ao clube, na altura em que o processo terminar, o “Vicente do Gil” já terá perdido vários jogos por falta de comparência, devido à impossibilidade de jogar que resulta da decisão da “Liga-Caos”. Por último, importa ainda, de acordo com o nº2 do art.120º do CPTA haver uma ponderação da proporcionalidade por parte do juiz. Este juízo afigura-se essencial para conceder, ou não, a providência cautelar na medida em que tal tem já a ver com o efeito útil da sentença prendendo-se com as consequências que decorrerão da mesma. Ora, importava assim saber se o prejuízo que o clube terá é proporcional à vantagem que a "Liga-Caos" recolherá. Parece manifestamente que há neste caso excesso por parte da "Liga-Caos" na medida em que esta medida pode ter consequências devastadoras para o "Vicente do Gil". Pode-se, por isso, concluir que a providência pode ser concedida de acordo com o disposto na al. b) do nº1 e nº2 do art. 120º do CPTA.

Francisco Bessa de Carvalho (140109080)

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