quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Uma troca de identidades? (Acção administrativa especial e acção administrativa comum)


O legislador português na reforma do Contencioso Administrativo optou por criar uma dicotomia de meios processuais: a acção administrativa especial e a acção administrativa comum.
  Dentro de cada uma destas acções a sentença judicial pode ser de simples apreciação, constitutiva, ou de condenação, de acordo com o art.2.º do CPTA.
   A acção administrativa especial segue o regime consagrado no CPTA, sendo subsidiariamente aplicável a lei processual civil, art.35.º nº2 CPTA. A acção administrativa comum segue o regime consagrado no CPC, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima, art.35.º nº1 CPTA.
   Torna-se assim necessário saber qual o critério para distinguir qual o tipo de acção a utilizar em cada caso, de forma a saber qual o regime a que o processo em questão tem de obedecer.
   O processo segue a forma de acção administrativa especial quanto está em causa um acto administrativo ou uma norma regulamentar. Nos restantes casos em que não sejam deduzidas pretensões relacionadas com esses tipos de actuações o processo é tramitado segundo a acção administrativa comum.
   Isto significa que há um tratamento diferenciado quando estamos perante actos e regulamentos administrativos, o que parece não se justificar. De acordo com o Professor  Vasco Pereira da Silva este critério está marcado pelos “traumas” da infância difícil do Direito Administrativo[1].
  No sistema francês existia um contencioso limitado de “mera anulação” de actos e regulamentos administrativos e um contencioso pleno aplicável a todos os demais litígios. A existência de uma acção especial delimitada às formas de poder administrativo características de uma Administração Agressiva, não faz mais sentido tendo em conta a mudança da natureza do contencioso, que passou a ser destinado à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e não mais à protecção da Administração. Ora, a acção que tem por objecto os actos e regulamentos administrativos é especial, enquanto as restantes actuações estão enquadradas na acção comum, o que se prende com as razões apontadas mas que não faz mais sentido tendo em conta um contencioso de jurisdição plena.
   Tradicionalmente entendia-se que o Direito Administrativo era excepcional em relação ao Direito Civil. O Direito Administrativo tinha uma natureza especial que se traduzia numa excepcionalidade de poderes da Administração, na existência de privilégios exorbitantes e numa lógica autoritária. Actualmente entende-se que o Direito Administrativo é uma disciplina autónoma com regras e valores próprios e que os processos no seu seio são também autónomos no âmbito de uma jurisdição separada. Ora, chama-se à acção que segue o regime do CPTA de especial, enquanto a que segue a lei processual civil se apelida de comum, esta denominação não tem assim sentido de acordo com a não excepcionalidade do Direito Administrativo actualmente.
   Conclui-se assim pela infeliz denominação dada a estas acções pelo legislador.
  Mas não fiquemos por aqui, o CPTA assumiu o princípio da livre cumulabilidade de pedidos, arts.4.º e 5.º, com o objectivo de que numa acção pudessem ser apreciados pedidos relativos a actos ou regulamentos administrativos, mas que, simultaneamente, pudessem ser também apreciados quaisquer pedidos, relacionados com qualquer outra forma de actuação administrativa[2]. No entanto, sempre que existe esta cumulação de pedidos o processo segue a forma de acção administrativa especial. Esta solução coloca, nomeadamente, um problema: sendo o acto administrativo destacável da relação contratual deve ser impugnado autonomamente seguindo-se a acção administrativa especial; não sendo destacável, deve ser enquadrado na relação contratual seguindo-se a acção administrativa comum - a questão estará em saber quando é que há destacabilidade do acto administrativo, visto que há uma “crescente fungibilidade entre as figuras do acto administrativo e do contrato”[3].
  Dito isto, conclui o Professor Vasco Pereira da Silva, “a dita acção administrativa “especial” vai passar a ser a “comum” e a dita acção “comum” vai passar a ser, na prática, a “especial”. Estamos portanto perante um fenómeno de troca de nomes [sublinhado nosso], se não mesmo de “troca de identidades”[4].


Margarida Sepúlveda Teixeira
Nº140111508



[1] Silva, Vasco Pereira da ,  “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2º edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág.246 e s.
[2] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, 1º edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág.356
[3] Idem.
[4] Silva, Vasco Pereira da ,  “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2º edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág.249

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